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Reflexões de um neurocirurgião
Por: Dr. Robert J. White

Ela era uma garotinha realmente linda, de seis anos de idade, excepcionalmente bonita, inteligente, feliz; mas nossas investigações revelavam que tinha um grande tumor no cérebro. Ao operar, encontrei o hemisfério acentuadamente aumentado por um gigantesco quisto associado ao tumor. Comecei a procurar a massa cheia de fluido e... desastre! De repente o hemisfério explodiu e os grandes vasos em sua superfície começaram a jorrar inundando de sangue o campo operatório.
Eu e meus colegas esforçamo--nos por conter o fluxo torrencial, mas estávamos perdendo a batalha. O desalento tomou conta de nós. Com os dedos, eu apertava chumaços de algodão contra os vasos sangüíneos, lutando desesperadamente para controlar a hemorragia. Por fim consegui. Não me atrevia aliviar a pressão dos dedos: tudo, quanto eu fazia era rezar enquanto a criança recebia uma transfusão.
Enquanto esperava, sentia-me terrivelmente impotente, humilde. Quem era eu para estar empenhado em tarefa tão formidável? Para julgar que fosse responsabilidade minha, e só minha, remover aquele feio tumor do cérebro da menina? Daquele cérebro que era o substrato tissular de suas mais altas funções de sua maravilhosa personalidade, de sua inteligência, memória, emoções, livre-arbítrio? Aquela área que estávamos operando era onde se localizava seu ser, ali se definia quem ela era.
Meia hora passou. A sala de cirurgia estava tomada por uma contida tensão. Ninguém, nem mesmo eu, acreditava que eu pudesse tirar os dedos dos pontos de pressão sem provocar outro rio de sangue. Eu continuava a apertar e a rezar, rezar a Deus que pusesse a força necessária em minhas mãos.
De repente senti-me relaxar. Eu sabia que havia feito tudo quanto estava em meu alcance e senti-me invadido da certeza consoladora de que podia prosseguir. De alguma maneira Deus estava naquela sala conosco. Cuidadosamente, lentamente, liberei a pressão sobre os vasos, um dedo de cada vez. Não houve nenhuma hemorragia, até  todos os dedos se soltarem. Um vaso começou a sangrar mas foi  logo controlado.
Foram necessárias quatro horas e meia para extrair o tumor. Fiquei à cabeceira do leito da menina na semana seguinte. Suas feridas cicatrizaram bem; não houve mais hemorragias nem déficit neurológico, e. nem lesão cerebral. O resultado era o esperado e hoje a menina é uma adolescente normal e feliz.
Em 1974 operei um menino que havia sofrido duas fortes hemorragias cerebrais - resultado, segundo estudos, de um pequeno tumor situado bem no centro de seu cérebro. As áreas atingidas pela hemorragia achavam-se gravemente infectadas. O garoto havia a entrado em coma; estava morrendo. Colocamos tubos de ambos os lados do cérebro e literalmente lavamos a cavidade cerebral com soluções antibióticas frias - uma técnica nova e revolucionária de nossa própria criação. Mais tarde colocamos o menino num pulmão artificial - uma máquina de respirar e reduzimos a temperatura de seu corpo.
Durante semanas prosseguiu a luta pela vida. Eu não parava de rezar, não só pelo menino e seus pais, mas também pedindo forças para sustentar toda a equipe médico: naquele caso triste e exaustivo. Então, quase imperceptivelmente e por motivos que ainda não estão claros, o menino começou a melhorar. Passadas duas semanas removemos o cobertor resfriador; mais duas semanas e pudemos tirá-lo do pulmão artificial e, depois, remover os tubos de drenagem do cérebro. Então, em meus encontros diários com os pais, arrasados, comecei a sugerir a possibilidade que o filho deles pudesse sobreviver, mesmo que ficasse incapaz de viver uma vida normal. Mas o menino inexplicavelmente continuou a melhorar. Quando lhe demos alta, pude descrevê-lo como um convulsivo com grave retardamento mental - o que era muito mais do que eu havia ousado esperar.
Vários meses depois os pais trouxeram-me de volta o garoto para um exame. Até hoje estou atônito com o que encontrei: ele era em todos os sentidos, completamente, inteiramente normal -uma criança feliz e ativa. O tumor continua lá, no centro de seu cérebro (continuamos a vigiá-lo atentamente), mas em quase quatro anos não causou mais problemas, nem cresceu.
Se dou a impressão de estar dizendo que assisti a milagres, não é nisso que acredito. A rigor, já estive em muitas situações cirúrgicas extremamente perigosas (diversas delas aparentemente irremediáveis) nas quais, para estupefação minha, o paciente sobreviveu e continuou a viver bem. Mas nada vejo de “miraculoso” nesses êxitos. Não creio que eles tivessem ocorrido sem a combinação dos melhores esforços dos profissionais envolvidos. No entanto as probabilidades de insucesso eram tão superiores que, segundo creio, o êxito não teria sido obtido sem ajuda divina em tomar decisões e na atuação técnica propriamente dita. Tudo isso são coisas que é preciso dizer.
Muitos cientistas pesquisadores parecem perder a fé à medida que seus conhecimentos aumentam. No meu caso aconteceu o inverso. Minhas experiências com meus pacientes e minhas pesquisas neurológicas tentando elucidar os mistérios do cérebro colocaram-me mais do que nunca numa posição de respeito pelo cérebro, e não me resta outra alternativa senão reconhecer a existência de um Intelecto Superior, responsável pelo projeto e desenvolvimento da incrível relação cérebro/mente - algo muita além da capacidade, de compreensão humana.
Pensemos nesse órgão maravilhoso, o cérebro humano. O mais complexo computador que o homem venha a construir não igualará a complexidade, a eficiência e o desempenho dessa massa gelatinosa de tecido, pesando aproximadamente 1.400g. Com sua topografia como de pequenos outeiros e vales estreitos, cruzados por correntes vermelhas e azuis, não há muita diferença entre os cérebros de duas pessoas, mas em algum ponto ali está aquilo que torna cada um de nós diferente de todos os demais. Pois o cérebro contém a mente, a nossa essência, e desse vínculo cérebro/mente, da relação entre o continente e seu conteúdo, a ciência sabe pouquíssimo.
Estou convencido de que o cérebro é o repositório do espírito humano, da alma. Por isso, para mim, o cérebro é um lugar sagrado. Entretanto vive sujeito a lesões e doenças e às vezes temos de penetrar em suas profundezas, sondando-as ; em busca de tumores, hemorragias, infecções. Trabalhar nessa área parece-me uma tarefa quase religiosa, que exige aptidões hu-manas supremas. Necessito de um solidíssimo conjunto de convicções que me sustente em tal trabalho.
Para mim a prática dá medicina e a fé religiosa estão profundamente ligadas: Rezo muito, principalmente antes e depois de operar. Encontro satisfação na oração. Sinto que existem recursos imensos atrás de mim, recursos de que necessito é que desejo.
Conheço entre meus colegas homens importantes e bons que parecem capazes de explicar as coisas a si mesmos, satisfatoriamente, em termos de matemática e fórmulas químicas, e que se satisfazem com a idéia de que o que não tem explicação hoje ficará claro com a continuação do progresso científico. Mas a idéia de que a vida humana não passa de uma confluência casual de complexa biologia molecular e atividade elétrica me parece  desafiar a lógica.
De um ponto de vista puramente científico, parece-me que o conjunto cérebro/mente - está tão além e qualquer coisa que a ciência tenha jamais criado que há necessidade de um Criador-Intelecto Superior para explicar a singularidade e a individualidade do ser humano. Por mais que venhamos a saber a respeito do cérebro, não podemos nunca esperar explicar a mente completamente, e tenho de acreditar que tudo isso teve um começo inteligente, que Alguém fez que isso acontecesse. Não aceito a tese de que em momentos casuais no tempo entidades substanciais como a inteligência, a personalidade, a memória e o corpo humano simplesmente se juntaram de repente.
Também acho pouco racional supor que por ocasião da morte do cérebro aquelas poderosas entidades de inteligência, personalidade e memória deixem de existir. É muito mais razoável acreditar que nossa essência se evole de um continente, o cérebro, que não é mais capaz de nos conter, e encontre , e apoio numa nova dimensão.
Quanto ao que acontece à nossa essência quando da morte do cérebro, não posso sequer atrever-me a especular. Só posso dizer que a lógica me conduz inelutavelmente à fé - fé em que a singularidade, a individualidade do ser humano continue a viver nesse ser conceptual que chamamos alma.

O Dr. Robert J. White foi professor do departamento de neurocirurgia da Escola de Medicina da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, Ohio. Exerce também as funções de diretor de neurocirurgia do Hospital Geral Metropolitano de Cleveland.

 

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