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O Reconhecimento do Planejamento

O que está ocorrendo? Imagine uma sala em que um corpo jaz esmagado, plano como uma panqueca. Uma dúzia de detetives engatinham-se ao redor, procurando com lupas alguma pista que leva a identidade do criminoso. No meio da sala, próximo ao corpo, está um imenso elefante cinza. Enquanto engatinham, os detetives cuidadosamente evitam esbarrar nas perdas no paquiderme, e jamais erguem o olhar para ele. Após algum tempo, os detetives se frustram com sua falta de progresso, mas insistem, e ainda mais atentamente examinam o chão. Ora, os livros dizem que os detetives têm de “encontrar o seu homem”, e por isso eles nunca pensam em elefantes.

Há um elefante numa sala cheia de cientistas que procuram explicar o surgimento da vida. O elefante se chama “Planejamento Inteligente”. Para alguém que não se sente obrigado a restringir sua pesquisa a causas não-inteligentes, a conclusão óbvia é a de que muitos sistemas bioquímicos foram planejados. Eles não foram formados pelas leis da natureza, pelo acaso ou pela necessidade. Ao contrário, eles foram planejados. O planejador sabia como os sistemas seriam quando tivessem sido concluídos, e tomou medidas para torna-los realidade logo em seguida. A vida na terra, em seu nível mais fundamental, em seus componentes mais importantes, é o resultado de uma atividade inteligente.

A conclusão da existência de um planejamento inteligente segue-se de modo natural dos próprios dados, não de livros sagrados ou crenças sectárias.  A dedução de que os sistemas foram planejados por um agente inteligente é um processo trivial que não requer novos princípios de lógica ou ciência. Ao contrário, decorre simplesmente do trabalho árduo realizado pela bioquímica nos últimos quarenta anos, combinado com o exame da maneira na qual chegamos todos os dias a conclusões sobre a existência de planejamento.

O que é um “planejamento”? O planejamento é tão somente o arranjo intencional das partes. A questão científica é: Como podemos verificar a existência de planejamento? Isto se pode fazer de várias maneiras, mas o planejamento pode mais facilmente ser deduzido em objetos mecânicos. Enquanto se caminha em um depósito de sucata, se pode observar porcas e parafusos, pedaços de plástico e vidro, em sua maioria espalhados, alguns empilhados, os demais apoiados uns sobre os outros. Suponhamos que se observe uma pilha que parecia especialmente compacta e, ao se levantar uma barra que se projetava dela, toda a pilha avançou com ela. Ao ser puxada, a barra deslizou suavemente para um lado da pilha e puxou uma corrente presa a ela. A corrente, por sua vez, acionou uma engrenagem que acionou três outras engrenagens que viraram uma barra, girando-a suavemente. Conclui-se de imediato que a pilha não era um acúmulo aleatório de sucata, mas que foi planejada (isto é, foi reunida naquela ordem por um agente inteligente), pois observa que os componentes do sistema interagem com grande especificidade para fazer alguma coisa.

Sistemas constituídos inteiramente por componentes naturais também podem manifestar planejamento. Suponhamos, por exemplo, que você está passeando em um bosque em companhia de um amigo. De repente, seu amigo é puxado alto no ar e fica pendurado pelo pé de uma gavinha, que desde de um ramo de árvore. Depois de liberta-lo, você reconstrói a armadilha. Nota que a gavinha estava enrolada em torno do galho, sendo que a extremidade era esticada e presa firmemente ao chão por uma forquilha. A forquilha estava ligada a outra gavinha — escondida pelas folhas — de modo que, quando alguma coisa atingisse a gavinha-gatilho, ela puxasse a forquilha, libertando a gavinha-mola. A extremidade da gavinha formava um laço com um nó corrediço para agarrar alguma coisa e ergue-la bem alto no ar. Embora a armadilha fosse feita apenas de materiais naturais, você concluiria imediatamente quer era produto de planejamento inteligente.

Um mundo complicado

Uma palavra de precaução. A teoria do planejamento inteligente tem de ser vista em seu contexto: ela não tenta explicar tudo. Vivemos em um mundo complexo onde muitas coisas diferentes podem ocorrer. Ao tentar explicar como várias rochas vieram a ser modeladas da forma em que foram, um geólogo poderá considerar uma diversidade de fatores: chuvas, ventos,  movimento de geleiras, atividades de musgos e liquens, ação vulcânica, explosões nucleares, impacto de asteróides, ou a mão de um escultor. A forma de uma rocha pode ser primariamente determinada por um mecanismo, a forma de outra rocha, por outro mecanismo. A possibilidade de um impacto de meteoro não significa que os vulcões devam ser ignorados , e a existência de escultores tampouco quer dizer que muitas rochas não sejam modeladas pelo intemperismo. Da mesma forma, biólogos evolucionistas reconheceram que certo número de fatores pode ter afetado o desenvolvimento da vida: ascendência comum, seleção natural, migrações, tamanho de populações, efeitos de fundador (efeitos que talvez se devam ao número limitado de organismos que iniciam uma nova espécie), deriva gênica (a disseminação de mutações “neutras”, não-seletivas), fluxo gênico (a incorporação em uma população de genes de uma população separada), ligação (ocorrência de dois genes no mesmo cromossomo), impulso meiótico (seleção preferencial durante a produção de células sexuais de uma das duas cópias de um gene herdado de um mecanismo parental), transposição (transferência de um gene entre espécies separadas por meios não-sexuais) e muito mais. O fato de que alguns sistemas bioquímicos possam ter sido planejados por um agente inteligente não implica que qualquer um dos outros fatores não seja atuante, comum ou importante.

De forma cada vez mais curiosa

Assim, ao final desta palestra, chegamos ao que parece a muita gente ser uma estranha conclusão: a vida foi projetada por um agente inteligente. De certa maneira, porém, todo o progresso da ciência nos últimos séculos tem sido uma marcha contínua rumo ao estranho. As pessoas, até a Idade Média, viviam em um mundo natural. A estável terra era o centro de tudo; o sol, a lua, as estrelas giravam interminavelmente para dar luz de dia e de noite; os mesmos animais e plantas eram conhecidos desde a antiguidade. Eram poucas as surpresas.

Então, foi proposto, absurdamente, que a terra ela própria movia, girando, enquanto descrevia círculos em torno do sol. Ninguém podia sentir a terra girar; ninguém o podia ver; mas ela girava. Desde nosso moderno ponto de observação, é difícil fazer idéia do assalto desferido contra os sentidos por Copérnico e Galileu. Eles disseram, com efeito, que o homem não mais podia confiar nem mesmo nas evidências que seus olhos percebiam.

As coisas pioraram cada vez mais com o passar dos anos. Com a descoberta dos fósseis, tornou-se patente que os animais familiares do campo e da floresta nem sempre estiveram na terra; o mundo fora alguma vez habitado por imensas e estranhas criaturas, que agora se foram. Um pouco depois, Darwin chocou o mundo ao argumentar que a familiar biota descendia de bizarras formas de vida desaparecidas nos confins de um tempo incompreensível para mentes humanas. Einstein nos disse que o espaço é curvo, e o tempo relativo. Físicos modernos dizem que os objetos sólidos são, na maior parte, espaço vazio, que as partículas subatômicas não têm posição definida, que o universo teve um começo.

Agora chegou a vez de a ciência fundamental da vida, a bioquímica, bagunçar um pouco as coisas. A simplicidade que antes se considerava ser o alicerce da vida se revelou uma ilusão; em vez disso, sistemas de complexidade irredutível, espantosa, residem na célula. A compreensão resultante de que a vida foi planejada por uma inteligência é um choque para nós no século XX, que nos acostumamos a pensar nela como resultado de leis naturais simples. Outros séculos, porém, também tiveram seus choques, e não há razão para pensar que deveríamos escapar deles. A humanidade continuou, enquanto o centro dos céus passava da Terra para além do Sol, à medida que a vida se expandia para abranger répteis a longo tempo extintos, na proporção em que o universo eterno mostrou que era mortal. Nós sobreviveremos à abertura da Caixa Preta de Darwin.

["Evidence for Intelligent Design from Biochemistry", Michael Behe]


Notas:

[*] O título original deste texto é “Evidence for Intelligent Design from Biochemistry”, e se trata da transcrição de uma palestra dada pelo autor no Discovery Institute, em 1996. O subtítulo é de nossa autoria. Em muitas passagens — mas não em todas — onde o autor reproduzia textualmente passagens de “A Caixa Preta de Darwin”, reproduzimos nós os trechos correspondentes da tradução brasileira, de Ruy Jungmann (A Caixa Preta de Darwin, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1997). Omitimos na tradução a seção dedicada ao problema da coagulação do sangue para não afugentar leitores não habituados com a literatura científica.

[1] N. da P.: Noutro texto , ao comentar este exato ponto , o autor foi ainda mais claro : “A anatomia [nesta questão ] é simplesmente irrelevante , como também o é o registro de fósseis. Não importa se o registro dos fósseis coincide com a teoria evolucionista , assim como não importava se, na física , a teoria de Newton coincidia com a experiência quotidiana. O registro dos fósseis não tem nada a dizer sobre , por exemplo , se as interações da 11-cis-retinal com a rodopsina, transducina, e fosfodiesterase  poderiam ter se desenvolvido passo-a-passo.” [cf. Molecular Machines: Experimental Support for the Design Inference, Michael Behe]

[2] N. da P.: “Um pesquisador igualmente eminente, L. von Berthalanffy, dizia que o jogo de forças naturais inorgânicas não poderia ter realizado a formação de uma célula, e que o nascimento fortuito de um carro em uma mina de ferro seria coisa pequena se comparado com a formação espontânea de uma célula.” (Oscar Kuhn, Biologie Allemande Contemporaine, La Pensée Catholique no. 31, os grifos são nossos). O leitor aqui certamente tirará grande proveito da leitura das lúcidas páginas de Gustavo Corção sobre “Probabilidades Excessivamente Pequenas”, in As Descontinuidades da Criação, publicado pela Editora Permanência, “Antes de abordarmos, com o material científico até aqui apresentado, a interpretação filosófica e teológica, que é o objeto principal deste trabalho, demoremo-nos a remover um obstáculo que freqüentemente se atravessa em nosso caminho: a idéia de que o improvável, por mais improvável que seja, acontecerá desde que dêem tempo ao tempo. Em regra geral, as pessoas que se inclinam entusiasticamente sobre as formas mais cômicas do evolucionismo contam com o tempo, um pouco como os reformadores apressados contam com o tesouro nacional, ambas as coisas parecem-lhes infinitas. Ora, tanto no espaço como no tempo o universo é muito menor do que parece aos que contam com a amplidão para a espera de probabilidades da ordem de P=10-500 ou 10-1000”. Mais adiante, citando E. Borel: “Um matemático furiosamente abstrato poderia pretender que bastasse recomeçar a experiência um número suficiente de vezes, um número representado por vinte milhões de algarismos, por exemplo, para ter, ao contrário, a certeza de que o milagre se produziria muitas vezes no decurso dessas inumeráveis experiências (...). Mas é humanamente impossível imaginar que a experiência seja renovada tantas vezes”.

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