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O culto cristão no Novo Testamento

Por: David Clines -  doutor em letras, departamento de Estudos Bíblicos da Universidade Sheffield

A base judaica
Os primeiros cristãos foram judeus. Por isso não admira que tenham tomado de sua matriz judaica muitos elementos para o seu culto. At 2,46 diz: "Dia após dia, unânimes, mostravam-se assíduos no templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração". Continuaram a participar do culto no templo de Jerusalém, acrescentando uma refeição cristã especial.

Mas pouco a pouco os cristãos entenderam que os sacrifícios do templo não eram mais necessários, visto que a morte de Jesus fora o sacrifício definitivo, oferecido pelos pecados uma vez por todas, Assim começaram a afastar-se do culto do templo, especialmente depois que surgiram conflitos entre judeus e cristãos. Mas por várias décadas muitos cristãos judeus continuaram a freqüentar as sinagogas. Paulo habitualmente começava a sua pregação pela sinagoga da cidade que . Visitava e ali participava do culto, en3uanto não fosse forçado a abandoná-la Particularmente dois aspectos do culto judaico influenciaram o culto cristão: a) o rito da Páscoa refletido na ceia do Senhor, e b) o serviço sinagogal que com sua leitura da Bíblia, orações e sermão serviu de modelo para o culto cristão primitivo (Hb 7,23-27; At 17,1-8).

A Ceia do Senhor
Jesus instituiu esta refeição comunitária no contexto da celebração da Páscoa, durante a última ceia feita com os apóstolos. Na festa da Páscoa, as - pessoas recordavam a libertação do Egito, no passado, e pensavam no advento do reino de Deus, no futuro. Não se tratava simplesmente de uma comemoração, mas também, e sobretudo, da experiência viva e contínua da salvação oferecida por Deus na esperança da libertação plena e definitiva. Também a ceia do Senhor volta-se ao  passado e nos recorda, com o pão e o - vinho, o acontecimento da morte de Jesus. Além disso, olha para o futuro, para o seu retorno. "Anunciareis a - morte do Senhor até que ele venha" diz a Paulo. Mas ao mesmo tempo proclama a sua presença salvífica no pão e no vinho da mesa eucarística.

A ceia pascal começava com uma bênção, uma ação de graças a Deus pelo pão. Depois eram distribuídos pedaços de pão aos convivas. 0 mesmo gesto realizado na celebração cristã não só lembra, mas torna sacramentalmente presente o corpo de Jesus, que foi "dado por vós". A ceia terminava com o beber de uma taça de vinho. Na cerimônia cristã o vinho é o sinal eficaz do sangue (da morte) de Cristo. A sua morte é sacrifício que sela a nova aliança entre Deus e o homem, assim como a antiga aliança fora selada pelo sangue do novilho sacrifical (Ex 24,5-8). Por isso Jesus disse: - "Este é o meu sangue... da aliança". Aqueles que participam dessa refeição sagrada declaram a sua lealdade ao Senhor, que criou a nova aliança.

O vinho, além disso, faz referëncia ao futuro reino de Deus, representado como banquete. Jesus disse: "Doravante não beberei do fruto da videira, até que venha o reíno de Deus".

No lívro dos Atos a ceia do Senho; é chamada de "fração do pão" (refeição de comunhão), expressão usada pelos judeus para indicar a bênção do pão, mas que no cristianismo se tornou expressão técnica para indicar a eucaristìa. Originariamente esta fazia parte de uma refeição verdadeira. Os cristãos de Corinto traziam consigo os seus próprios afimentos, para consumilos em conjunto. Paulo ainda viu outra significação na participação do pão. Os cristãos participam de Cristo assim como participam do pão e, além disso, participam do "Corpo de Cristo", a Igreja. A divisão e a desunìão na Igreja negam a verdade representada pelo tinico pão.

Por fim a ceia do Senhor passou das casas particulares dos cristãos para edifício especial, onde não fazia mais parte de verdadeira refeição. Orações e hinos cristãos derivados dos serviços sinagogais foram acrescentados às cerimônias. O primeiro documento que fala das orações recitadas durante a Ceia do Senhor (ou eucaristia) é a Didaché (ensinamento dos 12 apóstolos), escrita entre o fim do século I e o começo do século II d.C. (Mt 26,26-30; Mc 14,22-26; Lc 22,14-20; At 2,46; 20,7; ICor 11,20-34: 10.16-17).

Batismo
O segundo rito que Jesus ordenou a seus discípulos observar foi o batismo dos convertidos. Também este tem fundo judaico. No período entre o Antigo e o Novo Testamento, aqueles que se convertiam à religião judaica (prosélitos) eram batizados u imergidos em água, geralmente num rio das proximidades, como sinal de purificação. Também João Batista batizou a muitos, como sinal do seu arrependimento e de sua purificação interior operada por Deus.

Mas o batismo cristão não era visto só como "loção do pecado". Paulo explica que quando alguém batizado desaparece debaixo da água e depois reemerge, por simbolismo eficaz, passa através da morte e da sepultura para a ressurreição. Pelo batismo os cristãos participam da morte e ressurreição de Jesus: "Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova".

A narração mais completa de um batismo no Novo Testamento é a da história de Filipe e do etíope. At. 8,37 apresenta uma antiga forma de palavras que os primeiros cristãos usaram. O pregador diz: "Se crês de todo o teu coração, podes ser batizado". O batizando responde: "Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus". Às vezes as pessoas eram batizadas em nome de Jesus Cristo, outras vezes, em nome do "Pai, do Filho e do Espírito Santo". (Mt 28,19; Mc 1,4-11; Rm 6,3-4; At 8,26-39; 2,38; 19,5).

A oração
Além das orações particulares de indivíduos, o Novo Testamento menciona freqüentemente grupos de cristãos que rezam juntos. Desde o princípio os cristãos participavam da "fração do
pão e das orações". Rezaram para ter coragem quando o Grande Conselho judaico proibiu Pedro e João de pregarem. Rezaram pela libertação de Pedro do cárcere. Rezaram pelo sucesso do trabalho missionário de Barnabé e Paulo. Essas oraçòes eram espontãneas, mas todas revelam o espírito e a linguagem do Antigo Testamento. AIgumas palavras usadas nas orações dos primeiros cristãos ainda nos são conhecidas.

· Maran atha (lCor 16,22) - São duas palavras aramaicas que significam: "Senhor nosso, vem". Eram dirigidas a Jesus, invocado com o nome de Senhor, o nome reservado pelos judeus somente para Déus. Maran atha reaparece na última oração da Bíblia: "Amém! Vem, Senhor Jesus!"

· A palavra abba (Mc 14,36) foi usada pelo próprio Jesus, dirigindo-se ao Pai. É termo aramaico que significa "pal querido" ou "papai". Era usado pelas crianças ao falar com o pai. Mas no ambiente judaico seria considerado irreverente usá-lo para dirigir-se a Deus. Em seu lugar era usado abinu, "pai nosso". Mas o relacionamento de Jesus com Deus era tão íntimo, que não só ele usou esta palavra familiar e afetuosa, mas também estimulou os seus discípulos a fazerem o mesmo. A palavra ocorre duas vezes nas cartas de Paulo. "Recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pal!". "E porque sois filhos, enviou Deus aos nossos corações o espírito do seu Filho que clama: Abba, Pai!'

· Amém - É palavra hebraica usada no culto do templo e da sinagoga, na conclusão das orações. Significa: "É certo" ou também "Não há dúvida sobre isto". Assim no culto celeste descrito no Ap 5, quando se eleva o grito: "Digno é o cordeiro imolado de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor", a oração é concluída com um grande "Amém". A palavra "Amém" conclui uma oração em Rm 15,33, uma bênção de Deus em Rm 9,5, uma expressão de louvor em GI 1,5 e uma benção dirigida aos cristãos em Gl 6,18 (At 2,42; 4,24-30; 12,5; 13,3; Ap 22,20; Rm 8,15; GI 4,6; Ap 5,12-14; ICor 14,16).

Profissões de fé e hinos

A Igreja do Novo Testamento era uma comunidade que acreditava em determinadas verdades fundamentais. o ensinamento dos "apóstolos" ou a "verdadeira doutrina" ou "as palavras verdadeiras". Tais artigos de fé foram expressos não só nos escritos neotestamentários, mas também no culto, sendo freqüentemente cantados sob a forma de hinos.

Alguns dos credos cristãos primitivos eram muito simples e breves. A fórmula básica era: "Jesus é o Senhor". Provavelmente eram.essas as palavras pronunciadas pelos neoconvertidos. Outras contêm duas ou três afirmações de fé: "Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus"; "um só Senhor, uma só fé, um só batismo".

Às vezes os autores do Novo Testamento citam claramente declarações da fé cristã primitiva. 1Tm 3,16 é um credo em forma de hino (semelhante ao nosso Te Deum):

"Ele foi manifestado na carne, justificado no espírito, contemplado pelos anjos, proclamado às nações, crido no mundo exaltado na glória".

Uma profissão de fé ainda mais pormenorizada da pessoa e da obra de Cristo é apresentada por Paulo em Fl 2,6-11. O hino termina com a profissão do neoconvertido: "Toda língua confesse: Jesus é o Senhor". Talvez fosse uma fórmula cantada durante a cerimônia do batismo (At. 2,42).

 

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