O
ensinamento de Jesus
Por:
David Clines - doutor em letras, departamento de Estudos
Bíblicos da Universidade Sheffield
Hoje muita gente pensa que o
ensinamento de Jesus foi basicamente o Sermão da Montanha resumido na
regra áurea: "Tudo aquilo que quereis que os homens vos façam,
fazei-o vós a estes" (Mt. 7,12). Na verdade o centro da sua
mensagem foi o anúncio de que o reino de Deus tinha chegado. Jesus
descreveu o reino de Deus utilizando muitas imagens. É semelhante,
por ex., i uma pérola preciosa: para comprá-la vendemos tudo.
A mensagem de Jesus
O reino de Deus - O reino de Deus significa
o domínio ou governo de Deus na vida das pessoas. Isso acontece
quando alguém toma consciência de que Deus é o soberano do mundo.
Significa também o lugar, ou seja, a comunidade das pessoas em que o
governo de Deus é obedecido.
Durante séculos os judeus tinham
esperado o momento em que Deus viria e se tornaria seu rei poderoso,
libertaria o seu povo e julgaria as nações. "Nenhum rei fora de
Deus" era o slogan dos fanáticos zelotas (veja acima), que
esperavam expulsar à força os romanos do seu país. Mas o reino que
Jesus anunciou e trouxe."não era deste mundo". Nem seria
estabelecido pela força bruta. Em verdade o reino de Deus já tinha
chegado com a vinda de Jesus, porque foi ele quem por primeiro
obedeceu plenamente à vontade de Deus. Por isso pôde dizer aos
fariseus: "0 reino de Deus está no meio de vós". Estava
presente nas palavras e nas obras de Jesus.
Entretanto, em outro sentido o reino
de Deus ainda não veio. "Venha o teu reino", assim Jesus
ensinou os discípulos a rezar no Pai-nosso, Até agora o
reino de Deus está só parcialmente realizado. No futuro virá
"com poder". Mas a vinda futura do reino não será
acontecimento feliz para todos. Para aqueles que crêem na boa nova do
reino haverá "salvação", vida nova. Mas para muitos a
vinda do domínio de Deus será o juízo.
Jesus freqüentemente usava
parábolas para explicar o que era o reino de Deus. O reino inverte os
valores e escalas de valores do mundo. São os humildes, os pobres, os
que choram, que são realmente felizes, O reino de Deus pertence a
eles. Os ricos não podem comprar o ingresso para entrar no reino.
Pela primeira vez na vida as riquezas podem representar obstáculo. Os
mendigos são convidados a entrar e aceitam o convite de Deus,
enquanto as pessoas "importantes" recusam o convite e
finalmente sào excluídas do reino.
As parábolas de Jesus mostram como
Deus age no mundo: em silêncio e quase ocultamente. O reino cresce e
se difunde partindo de começo bem pequeno e humilde. É semelhante ao
minúsculo grão de mostarda, que depois se transforma em árvore, ou
o fermento que faz crescer a massa de farinha.
Uma das parábolas mais conhecidas de
Jesus é a do semeador (da mensagem de Deus): uma parte da semente cai
no caminho, outra parte em terra cheia de pedras e espinhos e outra em
"terra boa" onde pode crescer e desenvolver-se.
Boa parte da semente é perdida. Os
homens fecham os ouvidos ao que ouvem. Ou são dominados por outros
interesses e esquecem a mensagem que ouviram. Mas alguns ouvem e suas
vidas se transformam. A semente cresce e produz frutos (Jo 18 36; Lc
17,21; Mt 3,2; Mc I IS- Mt 6 t0; Mc 9,I; 14,25; Lc 13,23-30; 14,15-24;
Mt 20,1-16 19,23-24; 13,31-33; Mc 4,3-8).
"Convertei-vos e crede" -
"O reino de Deus está próximo", disse Jesus,
"convertei-vos e crede no evangelho". Devemos converter-nos,
isto é, transformar completamente o nosso coração, para receber o reino,
ou seja, o governo de Deus em nossa vida. Devemos crer na boa nova que
Jesus veio trazer.
Deus oferece vida nova a todos
aqueles que crêem, que deixaram seu modo de vida antigo e o ouviram.
Pelo reino de Deus vale a pena dar tudo o que se tem. Encontrá-lo é
como encontrar um tesouro escondido num campo e vender tudo para
comprar este campo. Significa deixar aquilo a que nos agarramos para
ter segurança e confiar em Deus. Também devemos arrepender-nos dos
nossos pecados. Não é algo que possamos ganhar pelos nossos
esforços. É Deus que vai à procura do pecador. Nas parábolas da
ovelha perdida e do filho pródigo Jesus enfatiza a alegria de ser
encontrado por Deus (Mc 1,15; Mt 13,44-46; Lc 1S,1-7.11-32).
Jesus fala de si mesmo - Jesus
tinha consciência de estar muito próximo de Deus, mais do que isso,
de ser seu Filho. Encorajou os seus discípulos a chamar Deus seu pai,
ou melhor, papai (= abba) como ele próprio fazia. Mas ele era
Filho de Deus de maneira única. O Evangelho de João acentua de modo
especial este aspecto do ensinamento de Jesus, que diz mesmo: "Eu
e o Pai somos um". Conseqüentemente, crer em Deus significa
também crer em Jesus. Ele está tão unido a Deus, que as pessoas
podem confiar nele do mesmo modo como confiam em Deus. Mas Jesus não
disse nada que pudesse fazê-lo parecer mais importante do que Deus.
Ele definiu-se como o caminho para Deus. Não fez nada por sua
própria iniciativa, mas em tudo se deixou dirigir pelo Pai. Ele era o
"pão" mandado do céu pelo Pai.
O caminho para a "vida
eterna", ou seja, a verdadeira vida que pode ser compartilhada
por todos os homens, consiste em crer (colocar nossa confiança) em
Jesus, o Filho de Deus. Isso equivale a passar da "morte"
para a "vida" (Jo 10,30; 14,1; 14,6; 5,1920.30; 6,32-33;
3,16-18.36; 5,24).
Alegria - O ensinamento de
Jesus é dominado pela nota de alegria. O reino de Deus liberta as
pessoas, tornando-as livres para viverem vida plena. Mesmo quando
jejuam, os discípulos de Jesus devem estar alegres, ungindose com
óleo e não se apresentando com o rosto triste, como a maioria das
pessoas. Para os judeus da época de Jesus, ser bom e obediente à lei
de Deus muitas vezes equivalia a viver triste e melancólico. Os
líderes religiosos murmuravam porque Jesus se divertia e irritaram-se
quando ele foi saudado com aclamações de alegria em Jerusalém. Eles
eram semelhantes ao mesquinho irmão mais velho da parábola do filho
pródigo, cujo pai disse: "Era preciso que festejássemos e nos
alegrássemos, pois este teu irmão estava morto e tornou a vìver,
ele estava perdido e foi reencontrado". O próprio Deus alegra-se
por todo homem que volta a ele, por "todo pecador que se
arrepende" (Jo 10,10; Mt 6,16-18; 11,19; 21,15; Ic 15,11-32).
As bem-aventuranças - Jesus
proclamou felizes ("bem-aventurados") os
"humildes", isto é, aqueles que comPreenderam que são
"espiritualmente pobres". De fato, todos os que são
mencionados nas bem-aventuranças sâo "pobres" e
"humildes" de uma maneira ou outra. A esses Jesus proclamou
solenemente "felizes". Eles receberão o que Deus prometeu.
Seu reino pertence a eles. Não possuem nada no mundo, mas podem
esperar tudo de Deus.
Aqueles que têm "fome e sede de justiça", cujo maior
desejo é fazer o que Deus manda, concentram toda a sua
vida em Deus. Sabem que não podem sobreviver sem ele. Os
"misericordiosos" tratam os outros do mesmo modo como são
tratados por Deus. Os que trabalham pela paz não têm poderes
terrenos, mas dependem do amor de Deus, que pode transformar os
inimigos em amigos. Os perseguidos são expulsos do mundo dos homens.
A todos esses pertence o reino de
Deus. Serão recompensados por Deus e chamados felizes por Jesus.
Portanto, as bem-aventuranças invertem a idéia de
"felicidade" do mundo. Propòem novo modelo de vida e
representam um desafio: a exigência que o reino faz ao povo de Deus
(Mt 5,1-12; I.c 6,20-26).
Os discípulos de Jesus - Ser
"discípulo" de Jesus, um de seus alunos, era grande
privilégio. Ao contrário de outros mestres, ele não sobrecarregava
seus seguidores com grandes encargos. "O meu jugo é suave e o
meu fardo é leve", disse-Ihes Jesus. Contudo, ensinava que
"estreita é a porta e apertado o caminho que conduz à
vida". Os discípulos devem ser como o mestre, prontos a
colocar-se a si mesmos e a seus interesses no último lugar. Até os
laços familiares não devem constituir obstáculos para a obediência
generosa a ele.
Jesus disse aos seus discipulos que
deviam esperar perseguiçòes, mas que não precisavam preocupar-se
com isso. Deus Ihes daria as palavras necessárias, quando fossem
levados aos tribunais. Jesus chamava seus discípulos para uma vida de
serviço aos outros, e ao mesmo tempo tratou-os como amigos.
Compartilharam das suas confidências, participaram dos seus
sofrimentos, para um dia tomarem parte na sua vida, felicidade e
glória futura (Mt 13,16-17; 11,30; 7,13-14; Mc 8,34; Lc 9,57-62; Mt
10,16-25; Jo 13,4-17; 14 - 17).
O que importa é aquilo que somos em
nosso ìnterior. Jesus pronunciou palavras duras contra os líderes
religiosos, que só se preocuoavam com a aparência externa.
"Sois semelhantes a sepulcros caiados", disse-lhes.
Deus e o culto - Jesus faiuu
de Deus como "Pai" de maneira nova e pessoal, como ninguém
fizera antes. Ensinou que Deus era seu Pai de maneira especial. Mas
também ensinou seus discípulos a rezar: "Pai nosso, que estais
nos céus". Ensinou-Ihes a aproximarem-se de Deus como filhos a
um pai cheio de amor, de perdâo e de sabedoria. Deu aos seus
discípulos o poder "de se tornarem filhos de Deus".
Para muitos este ensinamento era novo
e revolucionário. Aos olhos dessas pessoas a "religião"
era pesado sistema de regras e cerimônias. Jesus, ao contrário,
ensinou que a base da religião é relação amorosa com o próprio
Deus. Como Pai, Deus cuidava de todos os aspectos da vida. Isto mudava
a atitude das pessoas em relação à oraçâo.
Tal ensinamento de Jesus não podia
deixar de trazer grandes mudanças. Quando a mulher samaritana junto
ao poço perguntou a Iesus onde se deveria adorar a Deus, ele
respondeu: "Vem a hóra em que nem sobre esta montanha nem em
Jerusalém adorareis o Pai (...) Os verdadeiros adoradores adorarão o
Pai em espírito e verdade, poìs tais são os adoradores que o Pai
procura". Nos Atos vemos como isso começa a cumprir-se, quando a
"boa nova" é pregada tanto aos judeus como aos não judeus.
Jesus freqüentou regularmente a
sinagoga local e participou das festas em Jerusalém.. Não instituiu
nenhum novo sistema de cerimônias religiosas. Seus discípulos
deverìam seguir seu exemplo, reunir-se para estudar a Bíblia, rezar
e jejuar. Além disso ordenou-Ihes batizar os novos fiéis e comemorar
sua morte, consumindo comunitariamente o pão e o vinho, isto é, o
seu corpo e o sangue, como ele o fizera com os apóstolos na última
ceia (Mt 6,6-18.31-32; 7,7-11; Io 1,12-13; Mt 9,14-17; Jo 4,19-24; Mt
28,19; lCor 11,23-25).
Neste artigo tratamos de Jesus na qualidade de mestre. Mas ele é
muito mais que isso. É o profeta enviado por Deus com nova mensagem
de esperança. Mais que isso, ele é acima de tudo o salvador do
mundo.