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                               A racionalidade moderna e a fé

Por: Urbano Zilles

A atitude fundamental do homem para com Deus e, com isso, a base antropológica da religião é a fé. É conhecido o famoso dito do grande poeta alemão W. Goethe segundo o qual "a história é combate entre a fé e a incredulidade". Para muitos, esse combate está chegando a seu fim. Julgam que a fé está derrotada, que a discussão sobre ela até já se tornou irrelevante e que Hegel e Nietzsche descreveram bem a nossa situação social e espiritual dizendo que "Deus está morto". Parece um acaso sempre mais raro que um ateu inquieto não descanse enquanto seu coração não repousar em Deus.

Hoje se fala muito em crise de fé. Aos ouvidos de muitos a palavra crise ecoa como ruína. Entretanto o sentido original da palavra "crise" significa situação de decisão. Em outras palavras, parece que a fé perdeu sua evidência racional. Mas uma crise pode conduzir tanto à ruína como transformar-se em kairós ou renascimento. Uma crise de fé pode levar à renovação e ao aprofundamento de sua compreensão.

Hoje verificamos que a época das luzes não era sem pressupostos. Era animada pela fé quase ilimitada na razão e na liberdade, fé que hoje nos parece um pouco ingênua. A própria liberdade do homem tornou-se problemática. Sabemos que também a razão nunca começa no ponto zero. A própria pergunta pela razão e pela liberdade é, historicamente, condicionada. Podemos perguntar: é realmente racional a confiança ilimitada na razão?

O homem passa, hoje, por nova experiência de sua finitude. A atitude do neopositivismo e do racionalismo tradicional já perderam sua evidência de convencer. Já não se podem minimizar questôes metafisicas e religiosas. Como pode o hornem saber de seus limites se não discerne algo para além de si mesmo?

2.1. Contexto histórico

Ajá clássica questão da modernidade, "ou fé ou razão", tem longo contexto histórico. Religião e filosofia da religião não se sítuam fora do tempo. A fé se insere no contexto hìstórico em que pensamos. Nossa atual situação é determinada pela racionalidade crítica e pela razão científica.

A situação filosófica costuma desenvolver-se em dois planos. Por um lado, confrontamo-nos com as grandes idéias filosóficas formuladas em nosso tempo. Tais idéias só se tornam relevantes se forem signifïcativas. Por outro lado, nas formulações filosóficas certos elementos da consciência reinante adquirem uma tônica. Estabelece-se interação entre a consciência dominante e a filosofia. Formam-se modelos de convencimento, reivindicando cada qual a interpretação da existência humana global. Como visão do mundo, as idéias filosóficas têm dupla generalidade: a) determinam a consciência geral; b) determinam-na de tal modo que, em vista do mundo no qual vivem, nele se orientam.

Parece que nunca se consegue separar a filosofia elaborada rigorosamente da filosofia como cosmovisão ou ideologia. Trata-se de dois aspeçtos importantes em nossa situação histórica quando nos ocupamos filosoficamente da religião. Para a finalidade prática podemos discernir as idéias filosóficas de nosso tempo em dois grandes grupos os quais eliminam o espaço religioso. De um lado estão as tendências de idéias orientadas para as modernas ciências empiricas e exatas. É a filosofia que tende a ser filosofia da ciência. Neste grupo situa; se tudo o que podemos designar de neopositivismo e grande parte da chamada filosofia lingüística e do racìonalismo crítico. De outro está a tendência que se ocupa com a crítica da sociedade. A este segundo grupo pertencem a Escola de Frankfurt e o Marxismo. Ambas as tendências têm em comum certo racionalismo que tende a excluir tudo que extrapola o crivo crítico da razão. Como se chegou a esta situação?

A filosofia moderna ocidental está profundamente marcada pelo cristianismo, de modo especial pelo catolicismo. No século XIV, a filosofia escolástica entrou em decadência para ceder lugar a nova racionalidade, prática e voltada para a transformação terrestre. Com o Humanismo e o Renascimento rompe-se o vínculo com o velho mundo feudal e cria-se novo método de investigação e conhecimento que se apóia unicamente na razão e na experimentação científica. Com a superação do recurso às autoridades questiona-se não só o Império, mas também Igreja católica enquanto instituição organizadora da vida social, política e ideológica do homem medieval. Para a Igreja católica houve três grandes catástrofes no campo da fé: o cisma entre Oriente-Ocidente (1054); a Reforma (século XVI) e a condenação de Galileu. Desde então aprofundou-se o abismo entre a Igreja e a cultura moderna. Quanto ao mau uso da Bíblia, Descartes escrevera de maneira magistral: "É usar a Biblia para um fim para o qual Deus não a deu e, portanto, abusar dela quando dela se quer extrair o conhecimento de verdades que só pertencem às ciências humanas e não servem para a nossa salvação" (carta de 1638).

A filosofia moderna substitui o tema Deus, central na filosofia medieval, pelo tema homem. Com Descartes realiza-se um retorno ao modo de filosofar dos antigos filósofos gregos, que ignoravam qualquer revelação divina e investigavam a realidade do mundo só pela luz natural da razão.

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