Antes de podermos legitimamente
defender ou críticar a doutrina da Trindade, devemos nos esforçar
para compreendê-la. A maneira certa de começar esse esforço é
definindo nossos termos. Neste capítulo basearemos nossa
definição da Trindade no Credo de Atanásío.
A maneira mais simples de definir a
Trindade é dizer que é um Deus em três pessoas. E assim, o Credo
de Atanásio fala da Trindade em termos de "um só Deus" e
"três pessoas." Mas é necessário expandir essa
definição a fim de evitar mal-entendidos.
Os trinitários ou trinitaristas
(os que crêem naTrindade) mantém com muita firmeza e sem
meios-termos a fé num só
Deus. O Pai, o Filho e o Espírito Santo não são três deuses. (Os
mórmons que acreditam que são três deuses, alegam crer na
Trindade, mas deixam muito claro que rejeitam qualquer forma da
doutrina tradicional da Trindade.) O Credo de Atanásio deixa claro
esse argumento repetidas vezes: "Não há, porém, três
Deuses, mas um só Deus... De modo que somos proibidos pela fé
católica [universal] de dìzer que há três deuses ou trés
senhores." O Deus adorado pelos trinitários é o Deus único e
exclusivo; não reconhecem nenhum outro deus. Jesus não é outro
deus lado a lado com Deus; Ele é Deus, juntamente com o Paí e o
Espírito Santo.
As Testemunhas de Jeová
freqüentemente criticam a Trindade como se essa doutrina negasse a
unicidade de Deus. Por exemplo: Deve-se crer na Trindade? ( 1 )
expressa a opinião das testemunhas de Jeová: "... a doutrina
da Trindade é falsa, que o Deus Onipotente se destaca como um ser
separado, eterno e todo poderoso" (pág. 3; doravante, as
citações de páginas entre parênteses referemse à brochura das
Testemunhas de Jeová: Deve-se Crer na Trindade?). Mas os trinitários
crêem que o Deus Onipotente é o único ser separado e todo
poderoso. O ensino bíblico de que "somente Deus é o Todo
Poderoso, o Criador, separado e distinto de qualquer outra
pessoa" (pág. 12), é considerado pelas Testemunhas de Jeová
uma contradíção da Trindade, mas, na realidade, concorda
plenamente com ela. O escritor antitrinitarista, L. L. Paine, é
citado com aprovação quando critica a doutrina da Trindade por
afastar-se do "monoteísmo estrito" da Bíblia (pág. 12)
- a despeito do fato de sustentar o trínitarísmo, rígorosamente,
o monoteísmo (a crença num único Deus). Fazem a pergunta:
"Será que honra a Deus chamar a alguêm de Seu igual?"
(pág. 30), como se a Trindade ensinasse que Jesus
era uma pessoa separada de Deus, porém igual a EIe, ao passo que a
Trindade ensina que Jesus é Deus.
Ironicamente, são as Testemunhas
de Jeová que negam o monoteísmo. Acreditam que além do
"único Deus verdadeiro" (João 17.3), e além dos muitos
deuses falsos, existem muitas criaturas que são corretamente
honradas como "deuses" abaixo de Jeová Deus.
Outro aspecto da unicidade de Deus
é o fato de que não há separações, divisões ou repartições
em Deus. A doutrina trínítarísta sustenta que Deus é um ser
infinito, único, que transcende os limites do espaço e do tempo,
que não possui corpo material nem espiritual (a não ser o corpo
que o Filho tomou sobre Si ao tornar-se homem). O Deus trino,
portanto, não tem partes. Não se pode dividir em componentes a
existência infinita. O Credo de Atanásio afirma que Deus não é
dividido pelas três pessoas, quando declara que a fé trinitarista
não aceita a possibilidade de "dividir a substãncia"
[empregando "substância" no sentido da essência ou existência
de Deus). As três pessoas, como conseqüência, não são três
partes de Deus, mas três distinções pessoais dentro de Deus, cada
uma das quais é integralmente Deus.
As Testemunhas de Jeová e outros
antitrinitaristas freqüentemente criticam aTrindade como se esta
ensínasse ou subentendesse que o Pai, o Filho e o Espírito Santo
fossem três partes, componentes, ou divisões de Deus. Nesse
sentido, declaram que o Espírito Santo "Não é parte de uma
Trindade" (pág. 22). A idéia de que Jesus fosse "parte
de uma Trindade" é criticada como impossível (pág. 23). A
palavra parte é empregada repetidas vezes na brochura das
Testemunhas de Jeová para designar pessoas na Trindade. É
levantado o argumento de que "se Deus fosse composto de três
Pessoas" a Bíblia teria deixado claro
o fato (pág. 13) - mas a Trindade nega que Deus seja
"composto" de partes.
Por enquanto temos concentrado a
nossa atenção em explicar a intenção dos trinitaristas ao
declararem que a Trindade é "um só Deus." Mas a
declaração de que esse Deus único refere-se a "três
pessoas" também tem sido mal compreendida. É comum a
pressuposição de que "pessoa" seja empregada para
referir-se a um ser individual separado, o que daria a entender que
três pessoas divinas fossem três divindades. A crença em três
deuses, chamada triteísmo, sempre tem sido condenada pelos
cristãos trinitaristas. Já notamos que o Credo de Atanásio
condena com clareza o triteísmo. Se "pessoa" fosse usada
no sentido de um ser individual separado, nesse caso os
trinitaristas confessariam francamente acreditar que Deus é uma só
"pessoa."
Há, no entanto, outro significado
da palavra pessoaque focaliza, não a existência separada, mas o
relacionamento: os trinitaristas acreditam que o Pai, o Filho, e o
Espírito Santo são três "pessoas" no sentido de cada
uma ter consciência das outras, falar às outras, e honrar as
outras. Deus, portanto, pode ser descrito como sendo "uma
pessoa" ou "três pessoas," - sendo que tudo depende
do significado de "pessoa." Para evitar mal-entendidos, os
trinitaristas tèm tradicionalmente concordado entre si que
empregarão a palavra pessoa para referir-se à mútua distinção
entre o Pai, o Filho, e o Espírito Santo. É essa a praxe seguida
no Credo de Atanásio.
Os trinitaristas reconhecem que
Deus fala na Bíblia como uma só "pessoa," no sentido de
um único ser pessoal quando se dirige à raça humana ou quando
fala do Seu relacionamento com o mundo. Sendo assim, Deus se refere
a Si mesmo com o pronome "Eu," e os seres humanos
dirigem-se a Ele como "Tu," no singular. Esse fato não é
nenhum impecilho para a crença trinitarista, mas se encaixa com
perfeição, pois os trinitaristas acreditam que as três
"pessoas" são um único ser divino.
Outro fato que se encaixa com
perfeição na doutrina da Trindade é que o Pai e o Filho falam
entre Si, e se referem entre Si, como pessoas distintas. É falta
grosseira de entendimento quando perguntam se Jesus orou a Si mesmo
quando se dirigiu ao Pai. Essa pergunta pode ser embaraçosa quando
é dirigida aos monarquianistas (que negam a Trindade e ensinam que
Jesus é Deus Pai), mas os trinitaristas simplesmente respondem que
Jesus o Filho orou ao Pai. O trinitarismo reconhece a distinção
das très pessoas, que não devem ser confundidas entre si. O Credo
de Atanásio, nesse sentido, declara que a fé trinitarista não
permite "a confusão entre as Pessoas."
Finalmente, algo deve ser dito a
respeito da questão da submissão do Filho ao Pai. Nenhum
trinitarista duvida que enquanto Cristo esteve na Terra, vivia em
submissão a Deus Pai. O Pai no céu era exaltado, enquanto o Filho
era humilde; o Pai era maior do que Cristo (João 14.28). A natureza
humana de Cristo não era divina em si mesma; a humanidade de Cristo
foi criada e, portanto, Cristo como homem tinha de honrar o Pai como
Seu Deus. Por isso, o Credo Atanasiano declara que Cristo é
"igual ao Pai no tocante à sua deidade, e inferior ao Pai no
tocante à sua humanidade." Não há dúvida, da perspectiva
trinitarista, de que Cristo, como homem, estava em submissão ao
Pai.
Parece, no entanto, que essa
submissão transcende a vida histórica de Jesus na Terra. Ele foi
enuiado ao mundo pelo Pai (1 João 4.9), o que subentende nalgum
sentido que Cristo estava em submissão ao Pai antes de tornar-se
homem. Mas, ao tornar-se homem, tornou-se um servo de Deus
(Fp 2.8), o que dá a entender que Ele não estava, naquele
relacionamento (entre servo e senhor) com o Pai antes de tornar-se
homem. Depois da Sua ressurreição e ascensão, Jesus continuava a
referir-se ao Fai como Seu Deus (João 20. 17; Ap 3. 12) e a
considerar Deus Pai como Seu "cabeça" (cf. 1 Co 11.3).
Os trinitarìstas tém várias
maneiras de exglicar esses fatos, mas todos concordam entre si
quanto às conclusões que seguem. Primeira: o Filho sempre foi
distinto do Pai, e Ele sempre o será. Segunda; na Sua natureza
humana, Cristo sempre honrou o Pai como Seu Deus. (Os trinitaristas
crêem que Jesus ressuscìtou dentre os mortos como um homem
glorificado, e não um espírito imaterial - como as Testemunhas de
Jeová ensinam). Terceira: mesmo antes de tornar-se homem Cristo Se
dispõs a representar o Pai diante dos homens e buseava honrar ao
Pai. Quarta: na Sua natureza divina Cristo sempre foi plenamente
Deus, igual ao Pai na natureza essencial e nos atributos, e sempre o
será. Quinta: na Sua humanidade Cristo tem um relacionamento com
Deus diferente daquele que tinha antes de tornar-se homem. Sendo
assim, Cristo na Sua natureza divina, é essencialmente igual ao
Pai, embora no relacionamento (ou funcíonalmente) subordinado ou
submìsso ao Pai, mormente depois de tornar-se homem.
Conforme veremos, quase todos os
argumentos levantados pelas Testemunhas de Jeová contra aTrindade
dependem, em maior ou menor grau, do falso conceito que têm da
Trindade.
*Fonte: Robert Bowman, "Por
que devo crer na Trindade?", Editora Candeia, 1989.