Santo
Atanásio, bispo de Alexandria no Egito, foi uma destas figuras
marcantes que dão o nome a todo um período histórico: os anos que
vão desde o Concílio de Nicéia (325) até o fim do século.
Esta época foi uma das mais
turbulentas na história da Igreja. O Édito de Milão, no ano de
313, concedera liberdade religiosa pondo fim à era das perseguições.
A vida religiosa começava a desenvolver-se e sua doutrina ganhava
lugar eminente perante as filosofias e a sabedoria da cultura clássica.
Poderia ter sido um período de crescimento orgânico, pacífico,
mas do seu interior, tomou vulto uma heresia de virulência terrível:
era a heresia ariana, contra a qual Santo Atanásio foi lutador
incansável, elevando-se como um farol de ortodoxia.
Atanásio nasceu em Alexandria, no
Egito, em 296. Jovem ainda, aspirou a vida religiosa ficando sob a
orientação do bispo Alexandre.
Como é sabido, as primeiras
heresias surgidas no seio da cristandade foram as judaizantes. Um
dos dogmas católicos que os judeus mais repelem é o da Trindade,
porque, no seu ódio de morte contra o cristianismo, o que mais os
repugna é que Jesus Cristo seja considerado como segunda pessoa da
Santíssima Trindade, ou seja, do Deus Uno em essência e Trino em
pessoas.
Ário nasceu na Líbia, então sob
dominação romana. Ainda jovem, aderiu ao cisma de Melesio, onde
usurpou o posto de Bispo de Alexandria. Ao sofrer duros revezes a
causa de Melesio, Ário reconcilia-se com a Igreja. A Igreja, que
está sempre pronta por princípio a perdoar ao pecador que se
arrepende, admitiu a reconciliação de Ário, aceitando-o no seu
seio, ao passo que esse judeu clandestino se aproveitava dessa
bondade para lhe causar depois danos catastróficos. "Ário,
judeu católico, atacaria insidiosamente a Divindade de Cristo e
conseguiria dividir o mundo cristão durante séculos inteiros"
(William Thomas Walsh. Filipe II. Ed. Espasa Calpe. P. 266). Assim,
após a reconciliação, Ário ordenou-se sacerdote católico e, já
como presbítero, ficou encarregado por Alexandre, Bispo de
Alexandria, da Igreja de Baucalis.
Vários historiadores eclesiásticos
atribuem a Ário um aparatoso e impressionante ascetismo e um
ostentoso misticismo, unidos a grandes dotes de pregador e a grande
habilidade dialética, o que lhe permitiu convencer grande número
de fiéis e, até mesmo, membros da hierarquia da Igreja. Apto com a
palavra e a pena, escreveu folhetos e até livros para convencer a
hierarquia religiosa, governantes civis e pessoas destacadas do Império
Romano, dentre os quais o próprio Imperador Constantino.
Como princípio básico da doutrina
de Ário, figurava a tese judaica da unidade absoluta de Deus,
negando a Trindade e considerando Cristo Nosso Senhor somente como a
mais excelsa das criaturas, mas de nenhuma maneira possuidor de uma
condição divina. Não atacava nem censurava Cristo, como faziam os
judeus públicos, porque então teria fracassado no seu
empreendimento, visto que nenhum cristão o teria seguido. Pelo
contrário, a fim de não provocar suspeitas, fazia toda a classe de
elogios a Jesus, conseguindo conquistar a simpatia e a adesão dos
crentes para logo em seguida destilar o seu veneno, no meio de todos
esses gabos, com a negação insidiosa da divindade de Jesus Cristo.
É curioso como certas igrejas que
hoje se dizem cristãs fazem a apologia de Ário como se ele tivesse
sido um grande evangélico daqueles tempos...
Em 325, deu-se o I Concílio Ecumênico
de Nicéia, para definir a doutrina autêntica contra a heresia tão
capciosa dos arianos que fazia de Jesus Cristo uma simples criatura
do Pai, inferior ao Pai e não Filho de Deus igual ao Pai,
consubstancial ao Pai. Atanásio participou desse Concílio, na
qualidade de assessor de seu bispo, embora fosse apenas diácono. O
arianismo foi condenado e deu-se a definição solene que até hoje
rezamos no Credo: "Creio em Jesus Filho Unigênito do Pai,
nascido antes de todos os séculos, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial
ao Pai".
A atuação de Atanásio no Concílio
foi tão brilhante, tanto pela lucidez de sua doutrina como pela
argumentação bíblica apresentada, que transformou-se num
verdadeiro triunfo para a causa católica. No entanto, tal vitória
conquistou-lhe, porém, o ódio dos arianos que lhe declararam
implacável guerra até o fim de sua vida.
Pouco depois do Concílio, vem a
falecer o bispo de Alexandria. Povo e clero proclamam Atanásio como
sucessor, embora contasse apenas 31 anos de idade. Atanásio, depois
de relutar muito, aceitou a eleição como uma evidência da vontade
de Deus. E assim, dirigiu Atanásio a Igreja de Alexandria por 46
anos.
Certa vez, os hereges melesianos,
unidos aos arianos, acusaram Atanásio de ter assassinado um dos
colaboradores do chefe dos primeiros, mas, por sorte, Atanásio
conseguiu encontrar o falso defunto, ficando os caluniadores em evidência.
De outra feita, recorreram a uma manobra final: convocar um Sínodo
de Bispos, em Tiro, onde acusaram Atanásio de haver seduzido uma
mulher, calúnia que este conseguiu também destruir. Mesmo assim,
os arianos conseguiram obter a destituição de Atanásio como
Patriarca de Alexandria.
Os arianos não deram descanso:
conseguiram o apoio do imperador, espalharam as mais baixas calúnias
contra Atanásio que, por cinco vezes, teve que fugir de sua sede
episcopal. Durante toda a sua vida de bispo, se alternaram fugas e
retornos triunfais e novos desterros. Refugiou-se por vários anos
no deserto e durante cinco anos ficou escondido, durante o dia, no túmulo
de seu pai, só saindo à noite para dirigir sua igreja e consolar
seus fiéis. Mas Atanásio nunca cedeu perante a heresia: sua constância
e firmeza inquebrantável com seus numerosos escritos manteve viva a
fé no Verbo Encarnado, consubstancial ao Pai, em favor de toda a
Igreja.
Das calúnias lançadas contra Atanásio,
os arianos conseguiram ainda convencer o Imperador de que Atanásio
tinha comprado trigo aos egípcios, impedindo que este fosse levado
para Constantinopla, com o fim de provocar a fome da capital do Império.
Constantino então desterrou Atanásio, considerando-o como perigosíssimo
perturbador da ordem pública e da unidade da Igreja.
Em todo esse tempo, os Bispos
arianos, ganhando primeiro Constância, irmã do Imperador e muito
influente junto dele e de outros muito chegados, fingindo-se
hipocritamente muito zelosos da unidade da Igreja e do Império,
acusaram os defensores da Igreja de estarem a quebrar essa unidade
com as suas intransigências e exageros. Assim, conseguiram que
Constantino, que antes havia apoiado a ortodoxia do Concílio de Nicéia,
fizesse uma virada a favor de Ário, aceitando que a readmissão
solene daquele herege na Igreja se efetuasse em Constantinopla,
capital do Império. Isto, sem dúvida, teria sido a apoteose e
triunfo do judeu Ário, que já acariciava a idéia de chegar a
Papa, coisa não impossível do ponto de vista humano, visto que
contava com a tolerância amistosa do Imperador e com o apoio cada
dia maior dos Bispos da cristandade. Mas, todos os cálculos humanos
se frustraram ante a assistência de Deus à sua Igreja que será
perseguida, nunca vencida. E Ário, nos próprios umbrais da sua vitória,
morreu de forma tão misteriosa como trágica, segundo o testemunho
que nos legou o próprio Atanásio.
É dele a profissão de fé
conhecida por "Símbolo
Atanasiano". A Igreja o reconheceu como Doutor.