EVIDÊNCIA DE PLANEJAMENTO INTELIGENTE*
— Um resumo de “A Caixa Preta de Darwin” —
Michael Behe
Uma série de olhos
Como nós vemos? No século XIX, a anatomia do olho era conhecida detalhadamente, e suas características assombravam todos que estivessem familiarizados com ela. Os cientistas da época observaram corretamente que, se uma pessoa fosse tão infortunada a ponto de lhe faltar uma das numerosas partes do olho, tal como a lente, a íris ou os músculos oculares, o resultado inevitável seria uma grave perda da visão ou completa cegueira. Assim, concluía-se que o olho apenas poderia funcionar se estivesse quase intacto.
Charles Darwin também estava bem informado sobre o olho. Em A Origem das Espécies, Darwin lidou com muitas objeções à sua teoria da evolução pela seleção natural, e discutiu o problema do olho em uma seção do livro apropriadamente intitulada “órgãos de extrema perfeição e complexidade”. De algum modo, para que a evolução fosse crível, Darwin tinha de convencer o público que órgãos complexos poderiam ser formados gradualmente, em um processo de tipo passo-a-passo.
Ele o conseguiu de forma brilhante. Inteligentemente, Darwin não tentou descobrir o caminho real que a evolução pudesse ter tomado para formar o olho. Ao invés, ele apontou animais modernos com diferentes tipos de olhos, abrangendo do simples ao complexo, e sugeriu que a evolução do olho humano poderia ter envolvido órgãos similares como intermediários.
Eis aqui uma paráfrase do argumento de Darwin: embora os seres humanos tenham olhos complexos do tipo-câmera, muitos animais sobrevivem com menos. Algumas criaturas minúsculas possuem apenas um grupo simples de células pigmentadas, ou pouco mais que um ponto sensível à luz. Mal se pode dizer, deste simples arranjo, que confere a visão, mas ele serve para perceber luz e escuridão, e assim atende as necessidades das criaturas. O órgão sensível à luz de algumas estrelas-do-mar, por exemplo, é algo mais sofisticado. Seu olho se situa em uma região rebaixada, o que permite ao animal perceber de que direção lhe chega a luz, uma vez que a curvatura do rebaixamento bloqueia a luminosidade em algumas direções. Se a curvatura se tornar mais pronunciada, o senso de direção do olho melhora. Mas a maior curvatura reduz a quantidade de luz que chega ao olho, reduzindo sua sensibilidade. A sensibilidade pode ser aumentada pela colocação de material gelatinoso na cavidade para servir de lente. Alguns animais modernos têm olhos com tais lentes grosseiras. Melhorias gradativas na lente poderiam, então, prover uma imagem de crescente acuidade, conforme o determinado pelas necessidades do ambiente do animal.
Utilizando uma argumentação como esta, Darwin convenceu muitos de seus leitores de que existia uma trilha evolucionária do mais simples órgão de sensibilidade à luz ao sofisticado olho-câmera do homem. Mas a questão continua: Como começou a visão? Darwin persuadiu boa parte do mundo de que o olho moderno evoluiu gradualmente de uma estrutura mais simples, mas sequer tentou explicar de onde surgiu esse ponto de partida — o simples ponto sensível à luz. Ao contrário, Darwin dispensou a questão da origem última do olho.
Como um nervo vem a ser sensível à luz é uma questão que pouco mais nos interessa do que a de como se originou a própria vida. Darwin tinha uma excelente razão para recusar a questão: ela ultrapassava completamente a ciência do século dezenove. O funcionamento do olho; ou seja, o que acontece quando um fóton de luz atinge a retina, simplesmente não se podia responder na época. Com efeito, nenhuma questão sobre os mecanismos fundamentais da vida poderia ser respondida. Como os músculos dos animais causam o movimento? Como funciona a fotossíntese? Como se extrai energia dos alimentos? Como o corpo combate as infecções? Ninguém sabia.
Para Darwin, a visão era uma caixa preta, mas hoje, após o árduo trabalho cumulativo de muitos bioquímicos, nós estamos nos aproximando das respostas à questão da visão. Eis aqui um breve panorama da bioquímica da visão:
[N. da P. a explicação seguinte, profusa em termos técnicos, é aqui oferecida como ilustração. O leitor que assim preferir poderá saltar os três parágrafos seguintes sem prejuízo para a compreensão do argumento do autor. O mesmo vale para o exemplo do cílio, dado mais adiante]
Quando a luz atinge a retina, um fóton interage com uma molécula chamada 11-cis-retinal, que se rearranja em picosegundos e se transforma em transretinal. A mudança na forma da molécula retinal força uma mudança na forma da proteína rodopsina, à qual a retinal está fortemente ligada. A metamorfose da proteína altera seu comportamento, fazendo-a aderir a uma outra proteína chamada transducina. Antes de se deparar com a metarrodopsina II, a transducina liga-se fortemente com uma pequena molécula chamada GDP. Mas, quando a transducina interage com a metarrodopsina II, o GDP se despreende e uma molécula chamada GTP cola-se à transducina. (A GTP mantém uma estreita ligação com a GDP, mas é criticamente diferente dela).
A GTP-transducina-metarrodopsina II liga-se agora a uma proteína chamada fosfodiesterase, localizada na membrana interna da célula. Quando ligada à metarrodopsina II e a seu grupo, a fosfodiesterase adquire a capacidade química de “cortar” uma molécula chamada cGMP (um elemento químico aparentado a ambas GDP e GTP). Inicialmente, há grande número de moléculas cGMP na célula, mas a fosfodiesterase reduz sua concentração, como a tampa puxada de um ralo diminui o nível de água em uma banheira.
Outra membrana da proteína que se liga à cGMP é denominada de canal iônico. Ela funciona como um portão que regula o número de íons de sódio na célula. Normalmente, o canal permite que íons de sódio entrem na célula, enquanto uma proteína separada os bombeia ativamente para fora. A ação dupla do canal iônico e da bomba mantém o nível de íons de sódio na célula dentro de uma faixa estreita. Quando o volume de cGMP é reduzido devido à divisão efetuada pela fosfodiesterase, o canal iônico se fecha, fazendo com que seja reduzida a concentração celular de íons de sódio positivamente carregados. Esse fato ocasiona um desequilíbrio de carga de um lado a outro da membrana da célula que, enfim, faz com que uma corrente seja transmitida pelo nervo óptico até o cérebro. O resultado, quando interpretado pelo cérebro, é a visão.
A explicação acima é apenas uma visão muito superficial da bioquímica da visão. Em última análise, no entanto, é isto o que significa “explicar” a visão. Este é o nível de explicação que a ciência biológica tem de ambicionar. Para compreender verdadeiramente uma função, deve-se entender em detalhe cada passo relevante no processo. Os passos relevantes no processo biológico ocorrem, em última análise, no nível molecular. Assim, uma explicação satisfatória de um fenômeno biológico, tal como a visão, a digestão ou a imunidade, tem de incluir sua explicação molecular.
Agora que a caixa preta da visão foi aberta, não é mais suficiente para uma “explicação evolucionista” de tal magnitude considerar apenas as estruturas anatômicas de olhos inteiros, como o fez Darwin no século XIX, e como os divulgadores da evolução continuam a fazer hoje em dia [1]. Cada um dos passos e estruturas anatômicas que Darwin julgava tão simples, envolvem, na verdade, processos bioquímicos de espantosa complexidade, que não podem ser ocultados com retórica. Os simples passos de Darwin se revelaram saltos enormes entre máquinas cuidadosamente construídas. A bioquímica, assim, lança um desafio liliputiano a Darwin. A caixa preta das células se abriu, e o mundo liliputiano que se revela com assombrosa complexidade, precisa ser explicado.
Continua em A Complexidade Irredutível