Carta
de Olin Moyle Para J. F. Rutherford
Doug
Olin Moyle era um advogado a quem foi pedido que fosse para Betel em
1935 para ajudar a Sociedade Torre de Vigia nos casos legais
envolvendo "liberdade de adoração". Ele descobriu que
Betel era tudo menos o "paraíso espiritual" que a
Sociedade descreve. A carta aberta de renúncia dele é muito
reveladora, particularmente se considerarmos que quando Jeová
alegadamente pronunciou que a Sociedade Torre de Vigia estava numa
condição "purificada" e merecedora da sua seleção como
o seu porta-voz exclusivo, o único homem no comando de tudo o que
era feito ou dito pela Sociedade Torre de Vigia era o próprio
Joseph F. Rutherford. Esta carta revela muito sobre que tipo de
homem era Rutherford e que tipo de ambiente ele promovia na sede
mundial das Testemunhas de Jeová.
Esta carta está escrita num tom
digno e ponderado que seria de esperar, considerando o tipo de
assuntos que trata.
Rutherford respondeu a esta carta
no número de 15 de outubro de 1939 da revista The Watchtower
[A Sentinela]. A resposta de Rutherford, naquilo que era
suposto ser uma revista "baseada na bíblia", confirmou
ainda mais exatamente o tipo de homem que ele era. Moyle respondeu
com um processo judicial por difamação. Depois da morte de
Rutherford, Moyle recebeu da Sociedade 15.000 dólares mais as
despesas com o tribunal.
A carta, tal como reproduzida a
seguir, foi apresentada como "Documento 4" na ação
judicial de Moyle contra Rutherford e o corpo de diretores da
Sociedade Torre de Vigia.
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OLIN R. MOYLE, Advogado
117 Adams Street. Brooklyn. New York
Telephone Triangle 5-1474
21 de julho de 1939
Juiz J. F. Rutherford, Brooklyn, N. Y.
Prezado Irmão Rutherford:
Esta carta visa notificá-lo da nossa
intenção de deixar Betel em 1 de setembro próximo. As razões para
sairmos são apresentadas aqui e pedimos que lhes dê consideração
cuidadosa e ponderada.
As condições em Betel são um
assunto de preocupação para todo o povo do Senhor. Em nenhum lado
entre homens imperfeitos pode haver perfeita liberdade da opressão,
da discriminação e de tratamento injusto, mas na sede do Senhor na
terra as condições deviam ser tais que a injustiça seria reduzida
ao mínimo. Não é esse o caso aqui em Betel e deve ser feito um
protesto contra isso. Eu estou numa boa posição para fazer tal
protesto porque o tratamento que você me dispensou tem sido em geral
educado, com consideração e justo. Posso fazer este protesto nos
interesses da família de Betel e do trabalho do Reino sem a introdução
de qualquer interesse pessoal na matéria.
Tratamento Dispensado à Família
de Betel
Pouco tempo depois de termos vindo
para Betel, ficamos chocados ao testemunhar o espetáculo dos nossos
irmãos receberem de si o que é designado como "poda". A
primeira, se a memória não me falha, foi uma chicoteada verbal dada
a C. J. Woodworth. Woodworth, numa carta pessoal dirigida a si,
declarou algo no sentido de que seria servir ao diabo continuar a usar
o nosso calendário atual. Por isso, ele foi humilhado, foi chamado de
asno, e recebeu uma descompostura em público. Outros foram tratados
de forma similar. McCaughey, McCormick, Knorr, Prosser, Price, Van
Sipma, Ness e outros foram repreendidos de forma similar. Eles foram
chamados à atenção, condenados e repreendidos em público sem
qualquer aviso prévio. Neste verão, foram dadas algumas das
repreensões públicas mais injustas. J. Y. McCauley fez uma pergunta
que continha uma crítica ao atual método de estudo da Sentinela.
Devido a isso, ele foi severamente repreendido. A sua [de Rutherford]
ação constituiu uma violação do princípio pelo qual estamos
lutando, a saber, liberdade de expressão. Foi a ação de um patrão
e não a de um conservo. Assegurar um modo eficiente de estudo com
líderes de estudo imperfeitos não é tarefa fácil, e nenhum método
produzido até agora provou ser 100% perfeito. O irmão declarou que
não tinham chegado até si quaisquer queixas a respeito deste método
de estudo. Se é esse o caso, não lhe foram apresentados todos os
fatos. Existem queixas em vários sítios de que os estudos da Sentinela
degeneraram em meras lições de leitura. É possível que o método
atual seja o melhor que pode ser usado, mas considerando as
limitações conhecidas, críticas honestas não devem ser censuradas
nem devem os críticos honestos ser punidos.
O irmão Worsley recebeu uma
denúncia pública de si por ter preparado e entregue a irmãos uma
lista de citações bíblicas úteis sobre tópicos fundamentais. Como
é que podemos condenar de forma consistente os religionistas por
serem intolerantes, quando você exerce intolerância contra aqueles
que trabalham consigo? Não prova isto que a única liberdade
permitida em Betel é a liberdade de fazer e dizer aquilo que você
deseja que seja dito e feito? O Senhor certamente nunca o autorizou a
exercer tal autoridade com mão pesada sobre os seus conservos.
Desde a reunião no Madison Square
Garden tem havido uma condição aflitiva de repressão e suspeição
em Betel. Os porteiros foram colocados num lugar difícil mas fizeram
um excelente trabalho. Eles exerceram cuidado e diligência ao
vigiarem as entradas do local, e impediram vários personagens
suspeitos de entrarem. Eles estavam no serviço imediatamente quando
os distúrbios começaram e controlaram distúrbios que de outro modo
teriam alcançado sérias proporções. Mas duas semanas depois da
convenção eles têm sido constantemente criticados e condenados por
si. Eles têm sido acusados de abandono do dever e foram rotulados de
"efeminados". Ver alguns destes rapazes sucumbirem e
chorarem devido às observações rudes do irmão Rutherford é, para
dizer o mínimo, triste.
Os irmãos em Betel têm demonstrado
de forma cabal a sua lealdade e devoção ao Senhor, e não precisam
de ser censurados asperamente por conduta errada. Uma sugestão ou uma
admoestação bondosa de si teria sido mais do que suficiente para
verificar alguma ação errada, e eliminaria ressentimentos e
induziria mais felicidade e conforto para toda a família. O irmão
disse muitas vezes que na organização do Senhor não há patrões,
mas não é possível fugir ao fato inegável que as suas ações em
criticar e vituperar estes rapazes são ações de um patrão. Faz
doer o coração e causa desgosto ouvi-los. Se o irmão parar de
fustigar os seus conservos, Betel será um lugar mais feliz e o
trabalho do Reino prosperará concordemente.
Discriminação
Nós dizemos ao mundo que todos na
organização do Senhor são tratados da mesma forma, e recebem o
mesmo no que diz respeito a bens deste mundo. O irmão sabe que isto
não é verdade. Os fatos não podem ser negados. Veja por exemplo a
diferença entre as acomodações fornecidas a si e aos seus
assistentes pessoais, comparadas com as que são fornecidas a alguns
dos seus irmãos. Você tem muitas, muitas casas, a saber, Betel,
Staten Island, Califórnia, etc. Sou informado de que até na Fazenda
do Reino é mantida uma casa para seu uso exclusivo durante os curtos
períodos de tempo que passa lá. E o que é que os irmãos da fazenda
recebem? Quartos pequenos, sem aquecimento durante o tempo de inverno
muito frio. Eles vivem nos seus baús como campistas. Isso pode ser
correto se for necessário, mas existem muitas casas na quinta que
continuam vagas ou usadas para outros propósitos, que poderiam ser
usadas para dar algum conforto àqueles que trabalham tantas horas e
tão arduamente.
Você trabalha com um confortável ar
condicionado. Você e os seus assistentes passam uma parte da semana
no sossego dos arredores do país. Os rapazes na fábrica trabalham ao
longo dos meses quentes de verão sem essas ajudas, e sem ser feito
qualquer esforço para lhas dar. Isso é discriminação que devia
receber a sua séria consideração.
Casamento
Também aqui é mostrado um
tratamento diferenciado e discriminatório. Um irmão deixou Betel há
algum tempo com o propósito de se casar e, assim me informam, foi-lhe
recusado o privilégio de ser pioneiro em Nova Iorque, aparentemente
como desaprovação oficial da ação dele ao sair de Betel. Em
contraste com isso, quando Bonnie Boyd se casou, ela não precisou de
sair de Betel. Foi-lhe permitido trazer o marido para Betel apesar da
regra escrita que estipula que ambos os noivos devem ter vivido ali
durante cinco anos.
Tratamento áspero de um e tratamento
favorecido a outro é discriminação, e não deve ter lugar na
organização do Senhor.
Linguagem Obscena e Vulgar
As ordens bíblicas contra a
linguagem e piadas obscenas nunca foram revogadas. É chocante e
nauseante ouvir linguagem vulgar e calão em Betel. Foi dito por uma
irmã que isso era uma das coisas a que uma pessoa tinha de se
habituar em Betel. As gargalhadas mais sonoras à mesa surgem quando
é contada uma piada obscena ou quase obscena, e você é um dos que
participa nisso.
Licor
Sob a sua tutela tem crescido uma
glorificação do álcool e uma condenação da abstinência total que
é imprópria. Não é da minha conta se um servo de Jeová bebe licor
alcoólico, exceto em dar uma ajuda a um irmão que estiver
tropeçando por causa disso. Se sou um abstêmio total ou não,
ninguém tem nada a ver com isso. Mas em Betel não é assim. Parece
haver uma política definida de introduzir os novos que chegam a Betel
no uso de licor, e é mostrado ressentimento contra aqueles que não
se juntam a eles. É dito que "Uma pessoa não pode ser um
verdadeiro betelita sem beber cerveja." Pouco depois de termos
chegado, foi dito de forma arrogante: "não podemos fazer muito
de Moyle, mas faremos do Peter um homem." Um irmão de Nova
Iorque insinuou que eu estava fora de harmonia com a verdade e com a
Sociedade porque não bebo licor. Uma irmã de Nova Iorque declarou
que nunca tinha usado nem servido licor até alguns dos rapazes de
Betel terem insistido com ela para o fazer. Um irmão que costumava
beber licor em excesso tornou-se um abstêmio total depois de entrar
na verdade. Ele sabia que uma única bebida de licor era o suficiente
para levá-lo de volta aos seus hábitos de bebida anteriores, mas
apesar disso os irmãos de Betel insistiram que ele bebesse licor e
insinuaram que ele não estava em harmonia com a organização se
recusasse a bebida. Os abstêmios totais são encarados com escárnio,
como pessoas fracas. Você rotulou publicamente os abstêmios totais
como pessoas afetadas e por isso tem de assumir a sua quota parte de
responsabilidade pela atitude semelhante a Baco exibida pelos membros
da família.
Essas são algumas das coisas que
não deviam ter lugar na organização do Senhor. Existem outras
injustiças mais graves mas não tive contato pessoal com elas e por
essa razão não as discuto.
Não foi uma tarefa fácil ou
agradável escrever estas coisas para si, e é ainda mais difícil
tornar este protesto efetivo através da saída de Betel.
Nós vendemos a nossa casa e negócio
quando viemos para Betel e pretendíamos gastar o resto das nossas
vidas neste local no serviço do Senhor. Saímos para registar mais
enfaticamente o nosso desacordo com as condições injustas relatadas
nesta carta. Não estamos deixando o serviço do Senhor, antes
continuaremos a servi-lo e à Sua organização tão plenamente quanto
o permitam as nossas forças e meios.
Também não estou fugindo da batalha
contra a turba do Diabo nos tribunais. Espero regressar à prática
privada da advocacia, provavelmente em Milwaukee, Wisconsin, e espero
estar na luta de todas as formas possíveis. Com esta carta estou
incluindo uma declaração com os principais casos agora pendentes nos
quais estou participando ativamente. Seria pouco razoável e injusto
deixar cair estas matérias no seu regaço sem assistência e
consideração adicionais. Estou pronto e disposto a levar por diante
estes assuntos nos tribunais de forma tão vigorosa e cuidadosa como
quando estava em Betel, e farei isso se for esse o seu desejo.
Nós consideramos esta ação durante
algum tempo, mas esta carta é entregue a si no momento em que estamos
saindo numa viagem de férias por razões muito específicas.
Primeiro: É desejável que você tome tempo para pensar e considerar
as matérias aqui expostas antes de tomar qualquer ação. Ação
apressada e sem consideração adequada pode ser lastimável. Segundo:
Francamente, não desejo ter um argumento verbal consigo sobre estas
matérias. Pude observar em muitas ocasiões que um assunto
controverso não recebe uma discussão calma e racional dos fatos. Com
freqüência transforma-se numa denúncia de alguma pessoa por você.
Não estou interessado nesse tipo de
batalha verbal. Estas declarações são as razões apresentadas pela
Irmã Moyle e por mim para sairmos de Betel. Se falamos erradamente ou
incorretamente, somos responsáveis perante o Senhor por falarmos
assim. Se falamos a verdade, e nós afirmamos categoricamente que tudo
o que é aqui relatado é a verdade, então existe uma
responsabilidade imediata da sua parte para remediar as condições
que necessitam deste protesto. Que o Senhor o dirija e guie num
tratamento justo e bondoso dos seus conservos, é o meu desejo e
oração.
Seu irmão no serviço do Rei,
Olin R. Moyle.
P.S. Caso deseje escrever-me a
respeito destas matérias durante as férias, pode escrever-me por
carta para Ticonderoga, New York, General Delivery, depois de 29 de
julho.
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