Antes de iniciar essa
consideração uma ressalva se faz necessária. A Bíblia não fornece
datas. Todas as datas vinculadas a eventos bíblicos se baseiam em
descobertas da Arqueologia. Se a Bíblia não dispõe de tais
informações, significa que elas não são necessárias para o
verdadeiro Cristianismo, pois nela se encontra a seguinte afirmação:
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e proveitosa.... a fim de que
o homem de Deus seja plenamente competente, completamente
equipado para toda boa obra.” (2 Timóteo 3:16, 17). Se a
Bíblia dependesse de fontes pagãs para suprir necessidades
espirituais dos cristãos, a assertiva de Paulo se tornaria nula.
Portanto, este artigo foi escrito visando simplesmente uma análise
histórica, sem adentrar no brio de algum credo religioso.
Um outro
esclarecimento necessário é que chama-se de período neobabilônico o
intervalo de tempo entre os reinados de Napopolassar e Belsazar, em
Babilônia.
Na sua opinião,
existem datas na Bíblia que estão em conflito com datas históricas?
Segundo a Sociedade Torre de Vigia dos EUA, entidade dirigente das
Testemunhas de Jeová, a resposta é “sim”! Segundo a Torre, a cidade
de Jerusalém foi destruída no ano 607 a.C. No entanto, não há um
único livro de História no mundo que forneça tal data para este
acontecimento. Segundo todas as obras históricas de
referência, Jerusalém foi destruída em 587 ou 586 a.C. Por causa
disso, a cronologia que a Torre de Vigia apresenta em sua literatura
tem uma discrepância de 20 anos em relação ao livros de História, no
período anterior à primeira destruição de Jerusalém.
Estariam os
especialistas em história antiga errados? Sabe-se que os
cronologistas e historiadores costumam se basear na melhor evidência
disponível para datar os eventos da antigüidade. Com todo esse
cuidado como eles poderiam cometer um erro de 20 anos ao datarem a
destruição de Jerusalém? Além disso, o mais importante é: será que a
Bíblia desabona a data 587 para a destruição de Jerusalém?
Comparando o relato bíblico com os livros de História
Ao se falar na
primeira destruição de Jerusalém é preciso lembrar que a antiga
Babilônia se tornou potência dominante quando derrotou a Assíria (a
potência dominante anterior). Sabe quando isso aconteceu? Sabe em
que data se iniciou o domínio de Babilônia sobre as nações? Segundo
os historiadores, em 612 AEC, com a queda da cidade de Nínive, a
Assíria entrou em um período agonizante, e chegou ao colapso total
em 609 a.C., quando o pai de Nabucodonosor derrotou Assurbalit, o
último rei da Assíria. Foi em 609 que a Assíria deixou
definitivamente o cenário mundial e deu lugar a Babilônia:
“Fim da
Assíria. - .... Então, depois da queda de Nínive em 612, a
queda de Haran em 610 e a tentativa de reconquistá-la mais
tarde em 609, a Assíria deixou de existir.”
– Encyclopedia Britannica, Chicago, 1964, pp.
966-67.
“609.
– Derrota definitiva do último rei assírio.... A
ruína do império assírio permitiu que os caldeus
[babilônios] estendessem o seu domínio à Síria e à
Palestina.” – As Grandes Datas da Antiguidade,
Portugal, 1984, Publicações Europa-América, p. 37.
“O
fim da Assíria (609).... O Egito, aliado da Assíria
desde 616, correu em socorro de Assurbalit, mas já era muito
tarde. A cidade de Harran não pôde ser reconquistada. O
império neo-assírio estava vencido.” – Israel e Judá,
Textos do Antigo Oriente Médio, São Paulo, Ed.
Paulinas, 1985, p. 81.
“Os
assírios foram definitivamente derrotados [por
Babilônia] em 609 a.C. e a Assíria desapareceu da
história.” – Dicionário Bíblico, John L. Mackenzie,
São Paulo, 2001, Ed. Paulus, p. 90.
PARA MAIS
CITAÇÕES CLIQUE
AQUI
Segundo esses
mesmos historiadores, o domínio de Babilônia acabou em 539, data
apoiada pela Torre de Vigia:
“[Os
babilônios] trataram o povo de Deus de modo bem mais duro do
que Seu julgamento exigia.... Quão aflitivo deve ter sido
para o Deus verdadeiro ver seu povo sofrer! Mas ele se
refreou de agir até o seu devido tempo.
Daí.... em 539 AEC, secou e devastou Babilônia e suas
defesas.” – Profecias de Isaías, Vol. II, p. 43, §
23.
Como Babilônia caiu em 539 a.C., o
tempo total do domínio de Babilônia sobre as nações foi de 70 anos,
o que está de acordo com o relato bíblico:
“Estas
nações terão de servir ao rei de Babilônia por setenta
anos”. – Jeremias 25:11.
“Somente
quando os setenta anos concedidos para Babilônia acabarem, é
que eu vos visitarei e cumprirei minha promessa em vosso
favor por trazer-vos de volta a este lugar.” – Jeremias
29:10, Jerusalem Bible (A Tradução do Novo Mundo
verte “em Babilônia”, ao invés de “para Babilônia”. Mas o
texto original diz realmente “para” e não “em”. Para
detalhes sobre esta diferença vide
este link --> previsão: mar/2008).
609 a 539 a.C. —>
resulta num domínio babilônico sobre as nações de 70 ANOS – Jeremias
25:11.
A Torre de Vigia
não aceita o ano 609 como início do domínio de Babilônia. Ela acha
que os 70 anos mencionados nos textos acima são de exílio dos judeus
em Babilônia, e não de hegemonia babilônica. Ela aceita o ano 539
a.C., dado pelos historiadores, mas rejeita o ano 609 a.C. que esses
mesmos historiadores fornecem. Mas conforme foi dito, a
Bíblia não fornece datas. Sem os historiadores e suas
pesquisas não é possível saber nenhuma data da Bíblia.
Interessante é que
a Torre nunca mencionou a possibilidade dos 70 anos serem de domínio
babilônico sobre diversas nações, ao invés de exílio dos judeus em
Babilônia. Evidentemente ela não desconhece esse fato pois afirma
laconicamente:
“A profecia
bíblica não permite a aplicação desse período de 70 anos a
qualquer outro tempo, senão ao situado entre a desolação de
Judá, acompanhada pela destruição de Jerusalém, e o retorno
dos exilados judaicos à sua pátria, em resultado do decreto
de Ciro. Especifica claramente que os 70 anos seriam anos de
devastação da terra de Judá.” – Estudo Perspicaz das
Escrituras, Vol. I, p. 617, artigo “Cronologia”.
Seria melhor que
ela tivesse mencionado as outras possíveis aplicações para deixar
que o leitor decidisse se realmente a Bíblia não permite outra
possibilidade. Segundo a Torre de Vigia as verdadeiras datas
associadas à destruição de Jerusalém são as que estão no desenho
abaixo:
Leia agora a
descrição bíblica para o período acima (Jeremias 25:12, Nova
Versão Internacional):
“Quando
se completarem os setenta anos, castigarei o rei de
Babilônia e a sua nação”, diz Jeová.
Olhe mais uma vez o
desenho acima. Segundo a Torre de Vigia, em que ano se completaram
os 70 anos? Segundo ela foi em 537 AEC. Está essa data de acordo com
o texto bíblico de Jeremias 25:12 ? Releia o versículo e compare com
o desenho.
Jeremias foi bem
claro ao dizer que a punição do rei de Babilônia só aconteceria
quando acabassem os setenta anos e não antes! No
entanto, no desenho defendido pela Torre a punição ocorre antes do
prazo estabelecido por Deus. Para quem afirma defender fielmente a
Bíblia, isso por si só já seria suficiente para perceber que o
desenho acima precisa de uma revisão. No entanto, há outros fatores
bem mais consistentes a serem abordados. Antes de comentá-los,
porém, observe o desenho apresentado pelos historiadores para o
período descrito por Jeremias 25:12:
Ao se comparar os
dois desenhos acima, qual deles está de acordo com Jeremias 25:12?
Leia o texto novamente:
“Quando
se completarem os setenta anos, castigarei
o rei de Babilônia e a sua nação”.
É óbvio que o
segundo desenho é o correto, pois a Bíblia diz claramente que o rei
de Babilônia só seria punido depois
que acabassem os 70 anos e não antes.
Essa simples
comparação não somente mostra que a data 609 está em harmonia com a
Bíblia, mas comprova também que a Bíblia permite sim "a aplicação
desse período de 70 anos" a outro período que não seja o ‘situado
entre a desolação de Judá e o retorno dos exilados judaicos à sua
pátria’, contrariando o desejo da Torre de Vigia de mudar a
História.
Na verdade, as
evidências a favor do que os historiadores defendem são muito
maiores do que você talvez imagine, indo muito além da simples
comparação de gráficos feitas acima, tendo por base as palavras da
Bíblia.
Segundo os
historiadores, Nabopolassar morreu em 605 a.C., quatro anos depois
de vencer definitivamente a Assíria, e o seu filho Nabucodonosor
assumiu o trono e continuou as conquistas do pai. Naquele mesmo ano
derrotou o rei do Egito, o qual pouco antes matara Josias, rei de
Judá. Em 587 a.C. Nabucodonosor destruiu Jerusalém, em parte porque
os judeus desobedeceram o seguinte aviso:
“ ‘A nação
e o reino que não o servirem, sim, a Nabucodonosor, rei de
Babilônia, e aquela que não puser seu pescoço sob o jugo do
rei de Babilônia, para tal nação voltarei a minha atenção
com a espada, e com a fome, e com a pestilência’, é a
pronunciação de Jeová, ‘até que eu tenha dado cabo deles
pela sua mão’”. – Jeremias 27:8.
E quanto à data 607
a.C. para a destruição de Jerusalém? Ela é resultado
UNICAMENTE do entendimento de que os 70 anos são de exílio
dos judeus em Babilônia, e não de supremacia babilônica, exílio que
teria durado até 537 a.C. (embora a Bíblia não relate isso. Veja 2
Crônicas 36:22). Recuando-se 70 anos a partir do ano 537, chega-se à
data 607 a.C.. Mas note os problemas insolúveis que
tal entendimento ocasiona.
A quem as nações
serviriam 70 anos (inclusive Judá)? “Ao rei de Babilônia”. (Jer.
25:11) Ora, se os 70 anos terminassem em 537, significaria que
desses 70 anos, 68 seriam de servidão ao rei de Babilônia e 2 anos
de servidão ao rei persa Ciro, contradizendo a declaração bíblica de
Jeremias 25:11 (reveja o primeiro desenho mostrado).
Outro fato grave:
não existe uma fonte arqueológica sequer que
indique a destruição de Jerusalém em 607 a.C.. Por outro lado, foram
desenterradas MILHARES de tabuinhas cuneiformes da antiga Babilônia
que marcam a destruição de Jerusalém em 587/586 a.C.. Por isso a
data 607 AEC não existe nos livros de História, e segundo tais
fontes o exílio dos judeus durou cerca de 50 anos, e não 70. Durou
de 586/7 a 538/37 AEC.
Na verdade, a Torre
de Vigia não foi a primeira a se confundir neste assunto do exílio
dos judeus. Certa vez , o historiador Flávio Josefo, do primeiro
século, disse que o exílio em Babilônia tinha durado setenta anos (Antiguidades
Judaicas X, 7, 3; X, 9, 7; XI, 1, 1; XX, 10, 2; e em Contra
Apião, I, 19). No entanto, em uma idade mais avançada, Josefo
corrigiu várias informações que ele apresentara anteriormente. E uma
delas foi justamente a duração do exílio dos judeus. Abonando a
cronologia de Beroso, ele disse:
"Esta
declaração [de Beroso] tanto é correta como está em harmonia com
nossos livros [isto é, as Escrituras Sagradas]. Pois nestes está
registrado que Nabucodonosor, no décimo oitavo ano de seu
reinado, devastou o nosso templo, que por cinqüenta anos
este deixou de existir, que no segundo ano de Ciro as fundações
foram lançadas, e por fim que no segundo ano do reinado de Dario
foi terminado." -
Contra Apião I,
21, em Obras Completas de Josefo, traduzido por William
Whiston, em inglês - Grand Rapids: Publicações Kregel, 1978;
colchetes acrescentados.
Perceba que mover a
destruição de Jerusalém de 587 para 607 (para forçar uma exílio de
70 anos), aumenta o domínio de Babilônia sobre as nações de 70 para
90 anos, descaracterizando completamente o texto de Jeremias 25:11
que afirma claramente: “E estas nações
terão de servir ao rei de Babilônia por setenta anos.”
E assim ocorreu, nenhum ano a mais, nenhum ano a menos.
O
período neobabilônico segundo a cronologia de Beroso
Beroso foi um
sacerdote caldeu que assentou por escrito a duração dos reinados de
todos os governantes neobabilônicos, desde Nabopolassar até
Nabonido. Esta mesma cronologia foi adotada pelo astrônomo grego
Ptolomeu, que editou a lista que veio ser conhecida por "Cânon de
Ptolomeu". De acordo com Beroso e Ptolomeu, quais foram os reis
caldeus que governaram no período neobabilônico? Foram: (1)
Nabopolassar, (2) Nabucodonosor, (3) Evil-Merodaque, (4)
Neriglissar, (5) Labashi-Marduque, (6) Nabonido e (7) Belsazar,
sendo que essa dinastia findou em 539 a.C. – Informação extraída da
Despertai! de 8 de setembro de 1980, p. 28, § 8.
Quanto tempo durou
cada reinado? A Torre de Vigia responde: “Segundo este Cânon, os
cinco reis que regeram neste período foram Nabopolassar (21 anos),
Nabucodonosor (43 anos), Evil-Merodaque (2 anos), Neriglissar (4
anos), e Nabonide (17 anos).” (O rei Labashi-Marduque reinou apenas
9 meses). – Despertai!, 8/11/1972, p. 27, § 8.
Pois bem, de posse
das informações acima é possível montar uma tabela na qual se
determina quando cada governante começou a reinar. Basta somar para
trás quanto cada governante reinou a partir do ano 539 a.C. Por
exemplo, Nabonido reinou 17 anos e o seu último ano foi 539 a.C..
Logo, o seu primeiro ano foi em 555 a.C. (539 + 16 anos), e assim
por diante. Pela soma de todos os reinados, veja em que ano
Nabucodonosor iniciou seu governo (anos a.C.):
Observação:
Para calcular a duração de um reinado, aplique a fórmula:
ano maior
–
ano menor + 1
Claramente
Nabucodonosor iniciou o seu reinado em 604 a.C. Conforme certo
versículo da Bíblia, ele destruiu Jerusalém no seu 18º ano de
reinado. Se ele começou a reinar em 604 a.C., o seu 18º ano foi 587
a.C., e não 607 a.C. Se o ano 607 for considerado o seu 18º ano, o
seu 1º ano será 625. Se isso for aceito note o que acontece com a
tabela acima:

Lembre-se que as
próprias publicações da Torre de Vigia fornecem os dados que geram
as tabelas acima, dados estes que realmente os especialistas
divulgam. Obviamente, para tentar salvar sua cronologia, pelo menos
na aparência, a Torre de Vigia ensina às Testemunhas de Jeová que os
números nessa lista de reis não são definitivos e que ela deve estar
errada em algum ponto. Para saber se isto é possível ou não, siga
adiante na leitura deste artigo.
A brecha de 20 anos
que existe na tabela defendida pela Torre é irreparável, visto que o
tempo de reinado de cada governante não pode ser mudado, por motivos
que vão ser considerados mais à frente. Deslocar a destruição de
Jerusalém 20 anos para trás causa uma ruptura no período
historicamente estabelecido, deixando um intervalo completamente
descoberto, conforme indicado nos desenhos a seguir:
Até hoje a Torre de
Vigia nunca explicou o paradoxo acima, e nem poderá fazê-lo, pois
ele não tem solução, a não ser aceitar o mais plausível e confiável.
Mas ela não quer fazer isso, pois se fizesse demoliria completamente
um dogma dela que depende da data 607 a.C. Segundo a Torre de Vigia,
em 1914 começaram os "últimos dias" marcados pela profecia bíblica,
os quais prenunciam o iminente “fim do mundo”.*
* Este
ano seria o momento final de um período profetizado de 2.520
anos, o qual começou no ano em que Jerusalém foi destruída
pelos babilônios. Aceitar a data 587 moveria o fim desse
"período profético" para 1934, contradizendo assim o ensino
das Testemunhas de Jeová de que o ano de 1914 marca o
"retorno invisível" de Cristo e o início de seu reinado.
Segundo dizem, uma das primeiras "providências" de Cristo
como rei foi inspecionar as religiões cristãs no ano de
1918. Após essa "inspeção", Jesus rejeitou todas as
denominações cristãs do planeta, exceto a Torre de Vigia,
que de 1919 em diante "passou a ter" o privilégio de ser a
única religião verdadeira de Deus na Terra, através da qual
Deus ensina as pessoas. Portanto, rejeitar a data 607
significaria admitir que todo esse ensino não passou de mera
especulação e que as Testemunhas de Jeová acreditaram numa
mentira. Para mais detalhes leia depois
este link.
Por estar
consciente da lacuna que sua cronologia ocasiona, a Torre de Vigia
se apóia na teoria de que as cifras acima podem ser incompletas e
que novas descobertas arqueológicas podem mudar os períodos em
questão. Por exemplo, note algumas declarações que ela faz neste
sentido:
Citação 1
"Pode-se notar que a frase
'décimo sétimo ano' não consta na tabuinha [Crônica de
Nabonido], estando danificada esta parte do texto. Esta
frase é inserida pelos tradutores, porque eles acreditam que
o 17.° ano de reinado de Nabonido foi seu último. Assim,
presumem que a queda da cidade de Babilônia se deu naquele
ano do seu reinado e que, se a tabuinha não estivesse
danificada, essas palavras apareceriam no espaço agora
danificado. Mesmo que o reinado de Nabonido
tenha durado mais do que em
geral se supõe, isto não mudaria a data aceita de 539 AEC
como ano da queda de Babilônia, porque há outras fontes que
indicam este ano. Este fator, porém, diminui até certo ponto
o valor da Crônica de Nabonido." – Estudo Perspicaz das
Escrituras, volume 3, p. 52, verbete “Nabonido”,
colchetes e sublinhados acrescentados.
Nota-se que a Torre
de Vigia considera a possibilidade do reinado de Nabonido ter durado
mais de 17 anos. Sem dúvida, isto poderia ajudá-la a reparar a
brecha de 20 anos de sua cronologia.
Citação 2
"Do
ponto de vista secular, tais tipos de evidência
talvez pareçam confirmar a cronologia neobabilônica que fixa
o 18.° ano de Nabucodonosor (e a destruição de Jerusalém) em
587/6 A.E.C. No entanto, nenhum historiador pode negar a
possibilidade de que o atual quadro
da história babilônica pode ser enganoso ou errado.
Por exemplo, sabe-se que os antigos sacerdotes e reis às
vezes alteravam os registros para os seus próprios fins. Ou
mesmo quando a evidência descoberta é exata, poderá ser
interpretada mal pelos eruditos modernos ou ser incompleta,
a ponto de que matéria ainda a ser descoberta
poderá alterar drasticamente a cronologia do período em
questão." - Livro Venha o Teu Reino, p. 187,
publicado pela Torre de Vigia.
A Torre de Vigia já
começa o parágrafo desacreditando as fontes seculares, como se elas
contradissessem a Bíblia nesta questão. Esboça a teoria de que a
tabela de reis neobabilônicos está incompleta por causa do material
arqueológico "ainda a ser descoberto". Depois do trecho acima, a
Torre de Vigia cita as seguintes palavras do Dr. Edward F. Campbell
Jr.:
"Nem se precisa dizer que
estas listas são provisórias. Quanto mais se estuda a
complexidade dos problemas cronológicos no antigo Oriente
Próximo, tanto menos se está inclinado a pensar numa
apresentação como sendo definitiva. Por este motivo, o termo
circa [cerca de] poderia ser usado ainda mais liberalmente
do que é."
Mas o que a Torre
de Vigia "esqueceu" de mencionar é que a história do Oriente
Próximo, sobre a qual Campbell estava falando, compreende um período
de quase 2.000 anos. (Veja
neste site a cronologia completa de Babilônia) e inclui as
cronologias do Egito, Palestina, Síria, Ásia Menor e Assíria.
Certamente é difícil determinar com segurança várias datas deste
longo intervalo e de todas estas nações. No entanto, o período
neobabilônico só durou um pouco mais de 70 anos e existe um conjunto
super abundante de achados arqueológicos que confirmam as datas
desta parte da história de Babilônia. Além do mais, conforme o
próprio Campbell disse, os escribas neobabilônicos não tinham o
costume de alterar os registros com objetivos particulares, como
acontecia em outras nações. Portanto, era isto o que Campbell tinha
em mente quando fez seu comentário! Quando ele soube que foi citado
fora de contexto pela Torre de Vigia ele ficou muito indignado, pois
ele nunca teve dúvida de que as datas do período neobabilônico estão
todas corretas. Leia depois as palavras dele
nesse artigo.
Citação 3
“Certamente não é sábio
insistir em que as cifras tradicionais para os reinados dos
reis neobabilônicos sejam aceitas como definitivas.” –
Estudo Perspicaz das Escrituras, volume 1, p. 608,
verbete “Cronologia”.
A citação acima
resume bem o que a Torre de Vigia quer que as Testemunhas de Jeová
pensem sobre a era neobabilônica, conforme é descrita pelos
historiadores. Mas a Torre não revela em sua totalidade o real
motivo porque muitos continuam a "insistir" que os períodos
apresentados por Beroso e Ptolomeu são os corretos e definitivos. Só
diz que quem aceita a lista deles não é sábio...
Na verdade, o
contrário é que é verdadeiro. Não é sábio rejeitar as cifras
tradicionais, pois as evidências a favor delas são muito abundantes.
A quantidade de matéria existente em favor das datas universalmente
aceitas da era neobabilônica preencheria literalmente um livro de
centenas de páginas. O que está aqui neste artigo é apenas um
"resumo do resumo" e não uma abordagem completa de tudo que existe a
favor do ano 587. Dentro desse arcabouço arqueológico, podem-se
destacar as evidências prosopográficas*,
que são aquelas em que eventos do cotidiando neobabilônico fornecem
informações adicionais sobre a duração dos reinados e
os elos de ligação entre eles. Estes
eventos eram registrados diariamente em tabuinhas cuneiformes. Por
exemplo, havia uma importante família em Babilônia chamada Egibe que
possuía um próspero empreendimento comercial. O assiriologista Bruno
Meissner disse o seguinte sobre essa firma:
"Da empresa Filhos de Egibi
nós possuímos tão grande abundância de documentos, que
podemos rastrear quase todas as transações comerciais e
experiências pessoais de seus dirigentes, desde a época de
Nabucodonosor até a época de Dario I." - Babilônia e
Assíria, Bruno Meissner, Vol. II (Heidelberg, 1925),
pág. 331. Traduzido do alemão.
* A prosopografia (do grego
prósopon, que significa "rosto" ou "pessoa") é “o estudo
das biografias, especialmente de indivíduos unidos por relações
familiares, econômicas, sociais, ou políticas.” - Novo
Dicionário Mundial de Webster, 3ª edição acadêmica, eds. V.
Neufeldt & D. B. Guralnik (Nova Iorque: Novos Dicionários Mundiais
de Webster, 1988), pág. 1080, em inglês.
Para entender como
tal exame prosopográfico é de extrema utilidade, basta dizer que
praticamente nenhuma transação comercial era feita sem que se
mencionasse o ano do rei, além de identificá-lo por nome. Quando o
rei morria automaticamente a contabilidade comercial dos babilônios
passava a mencionar o novo governante em seus lançamentos. Portanto,
é possível saber a duração dos reinados babilônicos apenas por se
rastrear e estudar a documentação comercial daquela época. E o
quadro cronológico obtido por este vasto material
torna impossível a inclusão de novos
reis no período neobabilônico ou o "esticamento" da duração de seus
reinados. No caso da empresa dos Egibe, os documentos cuneiformes
dela fornecem um intervalo de oitenta e um anos de atividades, que
vão do 3º ano de Nabucodonosor até o 1º ano de Dario Histaspes,
conforme mostrado na tabela abaixo:

Como era de se
esperar, a tabela acima está em total harmonia com o Cânon de
Ptolomeu e com a Lista de Reis de Beroso. Recuando-se oitenta e um
anos para trás desde o primeiro ano de Dario I (521/20 AEC) chega-se
ao ano 602/601 AEC. Este é o terceiro ano de Nabucodonosor de acordo
com os registros comerciais da empresa babilônica Egibe & Filhos.
Sendo assim, basta somar três anos para descobrir qual foi o
primeiro ano de Nabucodonosor. O resultado é 605/604 AEC, data que
também pode ser obtida de diversas outras maneiras independentes.
Portanto, somente
as tabuinhas comerciais da família Egibe são suficientes para
determinar o inteiro período neobabilônico sem nenhuma margem de
erro. Se outros documentos comerciais ou religiosos dos cidadãos
neobabilônicos forem estudados, eles também confirmarão que a lista
de reis de Beroso e o Cânon de Ptolomeu estão corretos. E isto é
assim mui provavelmente porque eles também tiveram acesso aos
mesmíssimos documentos que os especialistas estudam hoje em dia.
Beroso e Ptolomeu não fizeram suas listas baseando-se 'simplesmente
numa informação histórica que era a aceita no período selêucida',
como alega a Torre de Vigia. - Livro Venha o Teu Reino, p.
187.
Observe que os
documentos comerciais da firma dos Egibe são todos originais, e não
cópias. É bom que se destaque esse pormenor, uma vez que a Torre de
Vigia costuma mencionar que alguns documentos que retratam o período
neobabilônico são cópias. Ela faz isto para tentar desacreditar o
conteúdo deles.
Em suma, pelo
exposto até aqui, percebe-se que a cronologia neobabilônica é umas
das mais seguras da Antigüidade, tanto pela quantidade de material
arqueológico disponível, como pela precisão e qualidade dessas
fontes, recebendo especial destaque os vários textos astronômicos
que registram a posição dos planetas em certas constelações, e os
eclipses que aconteciam ao longo dos anos, sendo que esses registros
indicavam os reis de cada período astronômico mencionado. Todos
esses fatores em conjunto permitem traçar um histórico completo das
sucessões dos governantes neobabilônicos.
E o mais
importante: independente de existir todo esse farto
material em apoio à data 587, lembre-se que tal data não é uma
"cronologia secular" que discorda da "cronologia bíblica", como a
Torre de Vigia costuma dizer. Isto simplesmente não é verdade, como
foi bem demonstrado aqui! A Testemunha de Jeová que não acredita na
data 587 apenas porque a Torre diz que ela contradiz a Bíblia, não
tem razão nenhuma para continuar com essa opinião depois que
descobre as informações contidas neste artigo e em outros
relacionados, uma vez que foi demonstrado cabalmente que é a
cronologia da Torre de Vigia que está contradizendo a Bíblia e não a
cronologia secular, que foi historicamente estabelecida de maneira
segura e confiável.
Conclusão
De forma resumida,
essas são as fontes que possibilitam datar a destruição de Jerusalém
em 587/586 a.C.:
1.
Crônicas, registros históricos, e inscrições reais
do período neobabilônico, começando com Nabopolasar e
terminando com os reinados de Nabonido e Belsazar, período
que vai de 626 até 539 a.C.:
- Diversas
crônicas babilônicas tais como a crônica de
Nabonido
-
Nabonido N.º 18
- A estela de
Hilá (Nabonido N.º 8)
-
A estela de Adda-Gupp (Nabonido H1,B)
- Lista real de
Beroso
-
Cânon de
Ptolomeu
2.
Documentos Comerciais e Administrativos: tabuinhas
cuneiformes que são datadas para cada ano do período
neobabilônico tal como estabelecido por Beroso e Ptolomeu;
nenhuma tabuinha está datada de forma imprecisa. Cerca de
5.000 delas já foram publicadas e faltam umas 50.000. Estes
são documentos contemporâneos do período neobabilônico, e
não são cópias.

Tabuinha
Cuneiforme
3.
Diários Astronômicos:
3.1.
VAT 4956 fixa o 37º ano de Nabucodonosor
em 568 a.C. por um jogo único de observações
astronômicas, que não podem ser confundidas com
nenhum outro ano. Estabelece o seu ano de ascensão
em 605 a.C.
3.2.
BM 32312 mais a Crônica de Aquito colocam
o 16º ano de Samas-sum-iuquim (um rei babilônico
anterior ao período neobabilônico) em 652/1 a.C..
Combinando-se essa tabuinha com os documentos
comerciais, o cânon de Ptolomeu, a crônica de Aquito
e a lista de Reis de Uruque, obtém-se o período
605/4-562/1 a.C. como sendo a duração do reinado de
Nabucodonosor, com seu 18º ano em 587/6 a.C.
Para uma
consideração mais detalhada das evidências
astronômicas, leia o artigo
Como se Determinam as Antigas Datas da História
Bíblica?
4.
Textos Saros (tabuinhas sobre eclipses lunares):
quatro textos independentes fornecem datas absolutas dentro
do período neobabilônico. Por eles, o 18º ano de
Nabucodonosor é fixado em 587/6 a.C.
5.
Sincronismo com a cronologia egípcia independente e
contemporânea ao período neobabilônico:
5.1. Pelo cômputo
egípcio, Josias morreu durante o reinado do faraó
Neco, que começou em 610 AEC..
5.2. Alguns Judeus fugiram para o Egito, que estava
sob o domínio do faraó Hofra (Apriés), logo depois
da destruição de Jerusalém. Visto que, segundo a
cronologia egípcia, Hofra começou a reinar em 589
a.C., Jerusalém não poderia ter sido destruída em
607 a.C., dezoito anos antes.
5.3. Um texto cuneiforme fragmentado menciona uma
batalha travada por Nabucodonosor no seu 37º ano
contra o faraó Amasis, que começou a reinar em 570
a.C. A Sociedade Torre de Vigia data a morte de
Nabucodonosor em 582 a.C.. Se ele tivesse morrido em
582, como ele poderia estar em batalha contra o
faraó Amasis em 570 a.C., doze anos depois?
Conforme a
Torre de Vigia já comentou, houve críticos da Bíblia que não
criam na existência de Belsazar (último rei de Babilônia),
porque só a Bíblia o mencionava. Um único achado arqueológico,
porém, a crônica de Nabonido, os forçou a mudar de opinião
(depois foi encontrado
um cilindro com a mesma informação). O que dizer de um
assunto que ao invés de ter somente dois achados arqueológicos
para prová-lo, tem milhares? Duvidar dessas fontes é fazer o
mesmo que os críticos anti-Belsazar faziam, ou pior.
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