Raymond Franz é bem conhecido entre as ex-Testemunhas de Jeová
pois é o autor dos livros Crise
de Consciência [516 páginas] e Em Busca de Liberdade
Cristã [732 páginas].
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Raymond
Franz |
Raymond Franz, nascido em 1922, é
filho de pais que tinham feito parte do movimento dos
"Estudantes da Bíblia" (mais tarde chamados
"Testemunhas de Jeová") desde o tempo da Primeira Guerra
Mundial. Além dos seus pais, três dos seus avós estiveram
filiados com a Sociedade Torre de Vigia, tal como quatro tios -- um
irmão da sua mãe e três irmãos do seu pai (incluindo Frederick
Franz, que se viria a ser o quarto presidente da Sociedade). O
mais novo destes três irmãos e a esposa saíram da religião
depois de falharem as predições
que os Estudantes da Bíblia tinham feito para o ano 1925.
Foi em 1938, quando Raymond tinha
16 anos, que ele e as suas duas irmãs mais velhas se tornaram
ativos junto das Testemunhas. Uma das irmãs freqüentou a escola
missionária de Gileade e serviu durante algum tempo no Brasil.
Depois de terminar os estudos secundários em 1940, Raymond entrou
para o serviço de "pioneiro" em tempo integral e durante
os 40 anos seguintes devotou-se inteiramente à divulgação da
mensagem da organização Torre de Vigia. Ele serviu como pioneiro
especial, superintendente de circuito e missionário nas ilhas das
Caraíbas. Foi designado Superintendente de Filial em Porto Rico
(onde conheceu aquela que viria a ser sua esposa, Cynthia) e mais
tarde na República Dominicana na época em que havia grande agitação
entre as facções políticas e o trabalho das Testemunhas estava
proibido.
Servindo na Sede Mundial em Betel
Em 1964, Nathan
Knorr, que nessa altura era o terceiro presidente da Sociedade,
convidou Raymond para fazer parte do pessoal da sede
mundial, em Brooklyn. Depois de aceitar essa posição, Ray
voltou à República Dominicana para treinar um substituto e no ano
seguinte (1965) ele e Cynthia deixaram o seu serviço nas Caraíbas
e juntaram-se à "família" de Betel em Nova Iorque. Ele
foi designado para trabalhar no departamento de redação e pouco
depois pediram-lhe que elaborasse um dicionário bíblico para as
Testemunhas de Jeová. Nesse projeto, ele colaborou com outras
quatro pessoas da sede, escrevendo o que viria a ser o extenso
dicionário bíblico da Sociedade, intitulado Aid to Bible
Understanding (1969) [em português: Ajuda ao Entendimento da
Bíblia, 1982]. Com algumas pequenas alterações e a inclusão
de muitas imagens, essa obra ainda é publicada pela organização
Torre de Vigia, em dois volumes [três na edição brasileira]
intitulados Insight on the Scriptures [Estudo Perspicaz
das Escrituras, em português], apesar de os três escritores
principais [Ray Franz, Edward Dunlap e Reinhard Lengtat] já não
estarem associados com a organização, tendo sido desassociados ou
substituídos de outras formas.
Do Corpo Governante à Crise
de Consciência
Depois de terminado o projeto
envolvendo o livro Ajuda, Ray (como é chamado por quase
todos os amigos) foi convidado para membro do Corpo
Governante internacional (elevando para 11 o número de membros,
nesse tempo). Ao servir nessas funções durante nove anos, ele
chegou a uma "crise de consciência" que resultou no corte
de relações com a sua religião de toda a vida e inspirou o título
do seu livro em que a história é contada. Em 1980, aos 58 anos de
idade, Ray sentiu-se compelido a renunciar do Corpo Governante e
deixar Betel. Ele e Cynthia mudaram-se para Alabama.
No ano seguinte, depois de mais de
40 anos de serviço dedicado, Ray foi desassociado, sendo a acusação
(que está documentada) esta: ele tinha almoçado num restaurante
com uma pessoa dissociada -- o seu empregador, senhorio e amigo,
Peter Gregerson. Devido ao fato de ter sido membro do Corpo
Governante internacional, e por ser sobrinho de Frederick Franz (que
nesse tempo tinha sucedido ao falecido Nathan Knorr nas funções de
presidente da Sociedade Torre de Vigia), a separação de Ray da
organização atraiu muita atenção entre as Testemunhas de Jeová.
Desde 1942 (quando o
"Juiz" Rutherford morreu) até 1976 (data da morte de
Nathan Knorr), o tio de Ray, Frederick Franz, tinha na prática sido
designado por Knorr como o perito principal da Sociedade. É um fato
bem conhecido que durante esse período toda a "nova
verdade" que surgiu para as Testemunhas de Jeová veio de Fred
Franz, tal como foi também dele que veio todo o raciocínio
subjacente à maior parte das políticas de desassociação. Na prática,
Frederick Franz foi único "tradutor" da Tradução
do Novo Mundo da Bíblia, que as Testemunhas de Jeová usam.
Depois de ter saído de Brooklyn, Ray escreveu cartas ao seu tio em
três ocasiões diferentes. Frederick Franz morreu em 22 de Dezembro
de 1992, aos 99 anos, sem ter respondido às cartas do seu sobrinho.
A vida depois da Torre de Vigia
Muitas pessoas que leram Crise
de Consciência estão curiosas em saber o que aconteceu a Ray e
Cynthia depois da agitação que em 1980-1981 varreu Betel, quando vários
outros membros proeminentes da sede foram expulsos. Circularam
rumores entre as Testemunhas de Jeová acerca da formação de um
movimento religioso dissidente. De fato, o oposto é que é verdade.
Ray tem tornado óbvio em várias ocasiões o seu desinteresse em
formar qualquer tipo de "nova organização". A esse
respeito, ele inclui muitas vezes na sua correspondência esta citação
do livro The Myth of Certainty, do erudito Daniel Taylor:
"O objetivo primário de
todas as instituições e subculturas é a auto-preservação. A
preservação da fé é central no plano de Deus para a história
humana; a preservação de instituições religiosas particulares
não é central. Não espere que aqueles que dirigem as instituições
sejam sensíveis a esta diferença. Deus não precisa de nenhuma
pessoa, igreja, denominação, credo ou organização em
particular para realizar o seu propósito. Ele fará uso daqueles
que, na sua diversidade, estiverem dispostos a ser usados, mas
deixará entregues a si mesmos aqueles que labutam para os seus próprios
fins. Não obstante, muitas pessoas acham que questionar as
instituições é sinônimo de atacar Deus -- algo que não
toleram durante muito tempo.... Na realidade, essas pessoas estão
a proteger a si mesmas, a sua visão do mundo e o seu senso de
segurança. A instituição religiosa deu-lhes significado,
deu-lhes um senso de urgência e, em alguns casos, carreiras.
Qualquer pessoa que eles encarem como ameaça a estas coisas, é
de fato uma ameaça. Esta ameaça é combatida, ou até suprimida
antes de surgir, pelo uso do poder.... As instituições expressam
o seu poder de forma mais explícita ao enunciarem, interpretarem
e implementarem as regras da subcultura. Todas as instituições têm
as suas regras e meios de as fazer cumprir, sendo alguns destes
meios apresentados claramente e outros de forma não declarada,
mas não menos real."
Refletindo sobre este ponto de
vista, Ray pensa que a maior lição a ser aprendida e aplicada é
encarar o cristianismo como produtor de uma irmandade, não como
produtor de um sistema.
As pessoas fazem muitas vezes estas
perguntas: Como é que Ray agora ganha a vida? Como é que ele e
Cynthia estão a sobreviver? Quais são as suas opiniões religiosas
desde que deixou as Testemunhas de Jeová? Como é que ele encara o
texto de Hebreus 10:24, 25 que admoesta os cristãos a reunirem-se
para se encorajarem ao amor e a boas obras?
Como os leitores de Crise de
Consciência sabem, Ray passou os primeiros anos depois de sair
de Betel como empregado do seu amigo Peter Gregerson, que era um dos
proprietários de uma pequena cadeia de supermercados em Alabama.
Por volta dessa época, Peter teve a sua própria "crise de
consciência" e tomou a decisão de se "dissociar"
das Testemunhas de Jeová, embora não tenha tomado uma atitude de
oposição aberta à organização. Ainda assim, foi por ter almoçado
com Peter Gregerson que Ray foi desassociado, apesar de nesse tempo
a organização não proibir a associação com pessoas dissociadas.
Pouco tempo depois de Ray ter almoçado com Peter Gregerson, a
Sociedade Torre de Vigia modificou a sua política no que diz
respeito à associação com pessoas dissociadas e Ray foi
desassociado retroativamente por ter violado a nova política!
Quando passavam de carro pelo restaurante, depois disso, Peter
Gregerson e Ray costumavam dizer, de forma bem humorada, que aquele
era "o local do crime".
A revista Time contou a história
na sua edição
de 22 de Fevereiro de 1982 (p. 66) e isto resultou num volume
crescente de correspondência, que Ray tinha dificuldade em
acompanhar. Pareceu-lhe que a melhor solução seria escrever um
livro que qualquer pessoa pudesse ler e que apresentasse uma explicação
sobre o que acontecera. O resultado foi o livro Crise
de Consciência, que agora tem uma circulação
internacional em muitas línguas.
Desde que foi publicado pela
primeira vez (em 1983), o livro alcançou uma circulação superior
a 60.000 cópias em todo o mundo, em 10 idiomas, estando outras
traduções em curso. Muitas pessoas que o leram escreveram cartas
dizendo que a informação apresentada no livro lhes permitiu
finalmente libertarem-se de um estado de grande incerteza e
finalmente alcançarem a paz no coração.
Como eles vivem hoje
Atualmente, Ray e Cynthia têm uma
casa agradável numa área semi-rural que tem muitas árvores, cerca
de 50 km a oeste de Atlanta, Georgia. A generosidade não solicitada
e inesperada de outras pessoas teve um papel fundamental em tornar
isto possível para eles. Peter Gregerson ofereceu um posto de
trabalho no seu negócio de mercearia e autorizou o casal Franz a
estacionar a roulotte na sua propriedade (sem pedir qualquer
pagamento por isso) durante os primeiros cinco anos depois de eles
se terem mudado para Alabama, o que possibilitou a Ray poupar uma
parte considerável do seu salário.
Em 1985, enquanto ainda vivia em
Alabama mas planeava mudar-se para a Georgia, chegou uma carta
inesperada de uma pessoa que lhes era totalmente estranha -- uma
senhora que vivia na Austrália -- que recebera um exemplar de Crise
de Consciência enviado por um amigo da África do Sul. Junto
com a carta vinham dois cheques de quatro dígitos (em dólares); um
para Edward Dunlap (ex-secretário de Gileade, que foi desassociado
por ocasião do "abalo" de 1980) e para a sua esposa
Betty, e outro para o casal Franz. Ao expressarem a sua gratidão a
esta pessoa tão generosa, eles mencionaram os seus planos de se
mudarem para a Georgia, e então ela enviou outro cheque quatro
vezes maior do que o primeiro.
Com estas doações e aquilo que
Ray tinha conseguido poupar, mais uma hipoteca de um familiar de
Cynthia, eles conseguiram comprar um terreno e começar a construção
de uma casa. Uma ex-testemunha do Mississipi, Ray Phillips, que
tinha grande experiência como construtor civil, pôs amavelmente em
andamento a construção para o casal Franz e depois disso eles
mesmos tomaram conta do resto do projeto.
Os rumores
Ray acha uma certa graça ao
costume que as Testemunhas de Jeová têm de se referirem a si
mesmas como estando "na verdade", devido aos rumores fantásticos
que elas divulgaram a respeito dele, como o já mencionado, acerca
de Ray formar "a sua própria religião". Além desse
rumor, nos Estados Unidos e em alguns países europeus dizia-se que
ele se tinha arrependido e que tinha pedido para ser readmitido na
organização. Outra história difundida entre as Testemunhas de
Jeová dizia que ele tinha morrido num desastre de automóvel, o que
levou a muitas perguntas e telefonemas de pessoas de países
distantes, como a Inglaterra. Ray pediu encarecidamente a essas
pessoas que verificassem a fonte do rumor, pois se este fosse
verdadeiro, ele certamente gostaria de ser informado... Tom
Cabeen (ex-superintendente da gráfica da Watchtower) enviou a
Franz uma T-shirt que tinha impressa a seguinte frase de Mark Twain:
"As notícias da minha morte
foram largamente exageradas."
A par de tudo isto, existem rumores
de que Ray tem ganho grande riqueza proveniente da publicação dos
seus livros. Ele acha isso quase cômico, pois desde que terminou o
seu trabalho no negócio de supermercados de Gregerson, em 1986, o
seu rendimento anual (incluindo Segurança Social) tem sido sempre menos
de metade do que ganhava antes como empregado no supermercado.
De fato, em 9 dos 10 últimos anos o rendimento anual dele esteve
abaixo do "nível de pobreza" definido pelo Governo.
Apesar disso, ele e Cynthia têm todas as suas necessidades
satisfeitas, em parte devido à generosidade das pessoas, e também
por terem aprendido alguns hábitos muito úteis de economizar.
Conforme Ray disse: "qualquer austeridade que havia, foi
substituída por frugalidade simples." Ele atribui a
naturalidade com que encara este modo de vida aos longos anos que
passou com Cynthia no serviço de tempo integral como Testemunha de
Jeová, e não acha que seja desagradável nem restritivo.
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Ray
e o seu cão, Muchacho |
Cynthia e Ray são anfitriões
generosos que recebem visitantes de muitos países. As maneiras
calorosas e despretensiosas de Cynthia fazem as pessoas sentirem-se
bem-vindas e em casa. Felizmente, ela é também uma cozinheira
muito boa. Até agora, neste ano, eles tiveram visitantes não
apenas dos Estados Unidos mas também da Espanha, Inglaterra, França,
Porto Rico e Itália. Continuam a chegar cartas de todas as partes
do mundo a um bom ritmo e, embora Ray tente responder a todas, é
freqüente a correspondência acumular-se durante vários meses.
Como não têm filhos, tanto Ray
como Cynthia gostam muito do seu animal de estimação, um cão de
nome Muchacho. Passear com o Moochie [diminutivo que
eles dão ao cão] pelos caminhos nos bosques das redondezas e
brincar com ele são um meio de fazer exercício todos os dias e
também serve de recreação. Tal como a "pequena ovelha"
da história que Natã contou a Davi (2 Samuel 12:1-7), que se
tornou "como uma filha" e um membro da família do homem
pobre, Muchacho tornou-se numa espécie de "filho"
substituto que lhes dá afeição incondicional e companhia.
Jon
Mitchell, que em tempos trabalhou no Departamento de Serviço da
Watch Tower e nos escritórios do Corpo Governante em Brooklyn, vem
muitas vezes de Gadsden, Alabama (onde trabalha para Gregerson) ao
fim de semana, visitar o casal Franz.
Tal como muitos outros que no
passado estiveram na organização das Testemunhas de Jeová, Ray e
Cynthia Franz dizem que não sentiram necessidade de se tornarem
membros de outra denominação religiosa para preencherem as suas
necessidades espirituais. Em vez de fazerem uma transição drástica
para um novo conjunto de crenças, eles deixam simplesmente que a
leitura das Escrituras nutra o seu entendimento de forma
progressiva, fazendo um esforço sincero para não serem
influenciados por idéias preconcebidas. Eles não defendem as suas
crenças com excesso de zelo, nem aplicam rótulos como
"ortodoxas" ou "não ortodoxas" a crenças que não
consideram genuinamente conseqüentes (isto é, crenças que não são
claramente "assuntos de salvação").
Em cada semana eles reúnem-se com
amigos no seu lar ou no lar de outras pessoas da área onde vivem e
participam num estudo da Bíblia semelhante ao que os cristãos do
primeiro século faziam. Em especial, eles apreciam ocasiões em que
se celebra a "refeição noturna do Senhor" com outros.
Eles dizem que estão muito impressionados com o fato de essa ocasião
ter agora um significado muito maior do que a cerimônia estéril a
que estavam habituados no passado.
Às vezes eles comparecem às reuniões
que se realizam quando há uma conferência
da BRCI, pela oportunidade de ver e visitar muitos dos seus
amigos que também aí vão.
Será que ele algum dia voltará?
Algumas pessoas perguntam se há
alguma possibilidade de Ray Franz retornar um dia para as
Testemunhas de Jeová. Ray respondeu o seguinte a uma pessoa que lhe
perguntou se ele voltaria para as Testemunhas de Jeová se ocorresse
na organização uma reforma importante:
"... Quanto à questão de
eu considerar a hipótese de um retorno à organização Torre de
Vigia, não existe sequer uma possibilidade remota de eles tomarem
a ação radical que descreve, e mesmo que houvesse, eu não tenho
qualquer interesse em tornar-me novamente parte de um sistema
religioso. As crenças fundamentais da organização estão
seriamente erradas e alterações cosméticas nunca modificarão
esse fundamento. O espírito que tem sido desenvolvido através da
ênfase intensa e constante no assunto da organização é muito
doentio e desvia as atenções do Filho de Deus e do Espírito
Santo de Deus, faz as pessoas concentrarem-se principalmente no
elemento humano, para seu próprio prejuízo espiritual. A usurpação
para um sistema humano de direitos e privilégios que corretamente
só pertencem ao Filho de Deus, é talvez de todos os erros
cometidos, o mais sério. Em segundo lugar, privam o indivíduo de
um senso verdadeiro de um relacionamento pessoal com Deus e
Cristo, usurpam o exercício correto da consciência individual
como conseqüência da imposição de infindáveis regras e
regulamentos que têm uma origem inteiramente humana. Isto leva a
uma situação como aquela descrita em Mateus 15:9, com semelhanças
preocupantes com a situação dos fariseus do primeiro século.
Eles não podem fazer as necessárias mudanças fundamentais sem
que isso implique o fim da organização que eles são. O
cristianismo é, ou devia ser, uma irmandade, não uma sociedade
estruturada e sujeita a uma administração centralizada."
Ray diz que podia sempre
encontrar-se e conversar com as próprias pessoas numa atmosfera
de liberdade, mas não tem interesse em algum dia fazer
novamente parte de um sistema religioso institucionalizado.